Se a estimativa do que ocorreu em São Paulo na epidemia anterior for uma boa aproximação do que será observado com a atual suspensão das aulas, é razoável esperar que as 12 semanas de fechamento já efetivadas possam levar a uma perda de seis meses de aprendizado
Embora seja prematuro apontar o impacto dessa medida sobre o aprendizado das crianças, há pouca discordância de que os seus efeitos serão negativos. Algumas evidências podem ser levantadas observando pesquisas conduzidas em situações similares.
O fechamento de escolas nos EUA devido à pandemia de poliomielite, em 1916, implicou diminuição da escolaridade de jovens, segundo estudo dos pesquisadores Keith Meyers e Melissa Thomasson. Ainda nos EUA, a interrupção das aulas em decorrência de invernos mais rigorosos (1995-2005) piorou o aprendizado das crianças, conforme apontam Dave Marcotte e Steven Helmut. Em 1990, a experiência belga de suspensão das aulas durante uma greve de professores diminuiu a probabilidade de conclusão do ensino superior, segundo o estudo de Michèle Belot e Dinand Webbink.
Esses resultados indicam que, além de apresentar elevados custos individuais, a crise atual poderá afetar de forma significativa a produtividade da força de trabalho no futuro.
Ainda que algumas escolas tenham adotado aulas online, muitas crianças não têm os equipamentos necessários, o acesso a internet, um ambiente propício ao estudo e a presença de um adulto que possa auxiliá-las com a nova rotina de aprendizado. Além disso, há professores com pouca ou nenhuma experiência para lecionar remotamente: cerca de 70% dos professores relatam alta necessidade de aperfeiçoamento no uso de tecnologias da informação e comunicação, segundo dados de 2017 do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica).
Fatores emocionais também podem impactar alunos e professores durante o período de isolamento social: a própria duração da quarentena, a perda de um familiar, o receio de contágio, a diminuição da renda doméstica e a ocorrência de violência ou maus-tratos. Da mesma forma que crianças emocionalmente afetadas dificilmente mantêm uma rotina adequada de estudos, professores podem não conseguir transmitir o conteúdo, especialmente em uma situação tão inusitada.
No Brasil, uma alternativa para compreender os efeitos que o fechamento das escolas terá sobre o aprendizado dos estudantes é nos remetermos à pandemia de H1N1 de 2009. Naquele ano, toda a rede estadual de São Paulo e as redes municipais de ao menos 13 municípios do estado estenderam as férias de julho por duas a três semanas, afetando 5,5 milhões de alunos da educação básica.
Antes da H1N1, o desempenho dos alunos da rede municipal afetada seguia a mesma tendência observada pela rede que optou por seguir o calendário normalmente. Isso permite que o ganho de desempenho desses alunos seja usado para estimar o que teria acontecido com os alunos da rede que estendeu as férias. Assim, ao subtrair da diferença de desempenho das duas redes em 2009 a diferença observada em 2007, estima-se o impacto da medida (uma diferença em diferenças).
Observa-se uma queda significativa do desempenho em matemática do 5º ano do ensino fundamental. Duas a três semanas de fechamento das escolas corresponderia à perda de dois meses de aprendizado. Nenhum efeito foi encontrado em português. O fato de a queda ser mais pronunciada em matemática está em concordância com o estudo que avalia os efeitos da interrupção das aulas no Canadá (1998-2005), elaborado por Michael Baker.
Esse efeito é expressivo, especialmente porque, mesmo antes da H1N1, 57,2% dos alunos das escolas afetadas pela medida apresentavam desempenho insuficiente em matemática. Além disso, o efeito foi mais pronunciado entre as escolas com as 20% piores notas, sugerindo que a queda foi maior entre os mais vulneráveis.
É importante qualificar o impacto encontrado. Nesse sentido, é necessário salientar que essa magnitude não reflete apenas o adiamento do retorno às aulas. Como o fechamento das escolas ocorreu logo em seguida às férias escolares, e assumindo que quanto maior o tempo de afastamento escolar maior o potencial de esquecimento do conteúdo lecionado, as estimativas apresentadas também refletem o efeito do esquecimento sobre o aprendizado.
Também é importante apontar a influência de outros fatores associados ao contexto da H1N1. É provável que, nos municípios que optaram pelo adiamento, onde o risco de contágio e a mortalidade eram maiores, tenha havido mais receio de que as crianças retornassem à escola, levando a perda de mais dias letivos.
Embora não seja possível extrapolar esses resultados para todo o Brasil, e também levando em conta que a covid-19 é uma pandemia bem mais severa, com impactos emocionais e econômicos incomparavelmente maiores do que os da epidemia de H1N1, se a estimativa do que ocorreu em São Paulo for uma boa aproximação do que será observado com a atual suspensão das aulas, é razoável esperar que as 12 semanas de fechamento já efetivadas possam levar a uma perda de seis meses de aprendizado.
É consenso que a reabertura das escolas deve ocorrer de acordo com as orientações de profissionais de saúde. Nesse processo de reabertura, em face à literatura e aos choques passados, é recomendado observar as seguintes medidas: a realização de testes de proficiência para identificar os alunos mais vulneráveis, que vão precisar de atenção especial; a extensão da carga horária diária; a diminuição dos dias de férias planejados; a realização de aulas de reforço; a promoção de campanhas de conscientização da importância de retornar à escola, via TV, rádio ou mídias digitais; e a continuidade e o aperfeiçoamento das plataformas de ensino a distância, para complementar o aprendizado presencial.
Vivian Amorim é consultora do Dime (Departamento de Avaliação de Impacto do Banco Mundial). Possui graduação e mestrado em economia pela USP (Universidade de São Paulo).
Caio Piza é economista sênior do Dime, onde coordena a agenda de pesquisa em desenvolvimento do setor privado. Possui PhD em economia pela Universidade de Sussex, na Inglaterra.
Ildo Lautharte é economista do Banco Mundial na área de educação. Tem doutorado pela Universidade de Cambridge. Foi pesquisador associado nas áreas de educação e saúde na University College London, onde lecionou e participou de pesquisas sobre políticas públicas.
Fonte: Nexo Jornal