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Trump tenta reeleição em cenário ‘impensável’ de covid-19 e protestos

Há quatro anos, Donald Trump fez o impensável até aquele momento: se tornou presidente dos Estados Unidos em uma das eleições mais polêmicas do mundo, permeada por fake news, simbologia de extrema-direita e acusações de manipulação russa.

Agora, em 2020, Trump disputa uma reeleição em um cenário ainda mais impensável: durante uma pandemia do novo coronavírus e com o povo nas ruas protestando contra o racismo, depois que um homem negro foi morto por um policial em Minneapolis, no final de maio.

O presidente Republicano é a única aposta do partido para as eleições e busca uma reeleição depois de um governo bastante agitado, com guerras comerciais e tecnológicas com a China, um processo de impeachment por ter pedido ajuda da Ucrânia para investigar Joe Biden, com um conflito armado com o Irã em janeiro de 2020, embargos ao Irã e Venezuela, saída de tratados internacionais importantes e rompimento com a OMS, além de todos os problemas sociais dentro do próprio país.

Mesmo com o histórico controverso, discurso agressivo e troca de farpas constantes com todo mundo pelo Twitter, novo veículo oficial de comunicação do governo, Trump conquistou uma massa de seguidores conservadores e de extrema-direita, que não se preocupam tanto com o que Trump faz ou é acusado de fazer, mas com o que promete e o que diz.

E é com essa postura e esse apoio que Trump vai tentar “manter os Estados Unidos ótimos”, como diz o slogan que atualiza o “fazer dos Estados Unidos ótimos de novo” da campanha anterior.

5 meses para a eleição

As eleições de 2020 acontecem apenas em novembro e, diferentemente de anos anteriores, trazem uma certa indecisão sobre como vão acontecer. Com uma pandemia ainda ativa, não se sabe ainda se as eleições serão presenciais ou por correio, como já estão acontecendo nas primárias.

Porém, antes das votações, acontecem os comícios e as convenções, como diz a professora de Relações Internacionais da ESPM, Denilde Holzhacker. Os comícios são a chance de eleitores assistirem discursos de seus candidatos presencialmente, e geralmente são feitos em grandes ginásios.

Já as convenções são vitais para as eleições americanas, e são ali que os candidatos apresentam os vices e começam a esclarecer os planos de governo e projetos. Este ano, as convenções aconteceriam em julho, mas agora está sendo discutido como realizá-las, já que não se pode garantir que todas as regras para evitar contágios e transmissão do coronavírus sejam respeitadas nos ginásios, como distanciamento social e evitar contato com outras pessoas.

Além disso, as eleições nos Estados Unidos não são obrigatórias e os interessados em votar precisam se registrar antes. Membros dos partidos democrata e republicano precisam convencer os possíveis eleitores a quererem votar em novembro e, para isso, muitas vezes a campanha é feita de porta em porta, com contato direto com o eleitor. Como essa estratégia é inviável, as eleições de 2020 correm o risco de terem um grande nível de abstenções.

“Dependendo da região, as abstenções podem afetar um candidato”, explica a especialista.

O legado de Trump

Trump prometeu fazer os Estados Unidos ótimos nos quatro anos em que esteve no poder. Enquanto ainda era candidato, Trump não tinha uma plataforma tão clara do que seria feito nas diversas esferas da sociedade para conseguir isso, como na saúde, educação e segurança, mas a ideologia que seria seguida sempre esteve clara.

Com um discurso agressivo, anti imigração, protecionista, liberal e armamentista, Trump conquistou o público republicano, evangélicos, conservadores independentes e a extrema-direita. Em um mundo marcado pela ascensão de governos de ultradireita, o republicano se tornou um dos rostos mais conhecidos.

Se, na campanha de 2016, Trump podia atacar o então presidente Barack Obama, agora ele precisa defender o seu legado e o seu trabalho para ser reeleito, explica Denilde.

“Precisam mostrar que o presidente tem conquistas, um legado, e que mantê-lo no poder é continuar com esse legado”, diz.

Nenhum dos dois candidatos têm um plano de governo traçado e divulgado ainda, mas já se tem ideias do que pode aparecer nos debates e nos projetos dos dois lados. No caso de Trump, ele pode propôr uma recuperação da economia, que ficou fragilizada com a pandemia, diz o professor de Direito Internacional da Mackenzie, Clayton Vinicius Pegoraro de Araujo.

“Ele vai pensar na retomada da indústria, na manutenção dos empregos, como gerar e conseguir esses empregos”, disse o especialista.

Porém, Trump pode chegar nos comícios sem nenhuma proposta e apostar nos discursos de sempre, como deportar imigrantes ilegais, armar ainda mais os Estados Unidos, proteger o país de produtos e empresas chinesas e atacar a globalização. “O eleitor do Trump não cobra propostas. Ele cobra um posicionamento ideológico”, diz o professor de Relações Internacionais da ESPM, Leonardo Trevisan.

O eleitorado de Trump não sofreu grandes mudanças desde 2016 e continua sendo majoritamente masculino, com mais de 40 anos, extremamente religioso, branco, de classe média e escolaridade média, com discurso nacionalista e que acreditam que o protecionismo econômico e o liberalismo podem ajudar o país a se desenvolver e crescer, e trazer prosperidade financeira, explica Denilde.

Essa parcela da população americana se interessa e se identifica com Trump por causa das promessas feitas pelo presidente, diz Trevisan, e muitas vezes as promessas são soluções simples e erradas para os problemas do país.

Os pontos fracos no eleitorado republicano são as mulheres, e muitas acabam não votando em Trump depois de falas misóginas e denúncias passadas de assédio sexual, além da ligação com predadores sexuais, como o magnata Jeffrey Epstein, que foi preso em agosto de 2019 e se matou na prisão.

Apoio aos policiais e críticas aos protestos antirracistas

Nesse momento, os Estados Unidos enfrentam uma onda de protestos contra o racismo, motivados pela morte de George Floyd, um homem negro, por policiais brancos, em Minneapolis.

Trump deixou claro desde o começo que era contra os protestos, principalmente em frente à Casa Branca, e chegou a dizer que “quando os saques começam, os tiroteios começam”, em menção aos atos de vandalismo, depredação e roubos nas manifestações. A mensagem foi escondida pelo Twitter por glorificação de violência.

Segundo os especialistas, Trump usa um discurso de Lei e Ordem, como ele mesmo escreveu uma vez no Twitter, para se referir aos protestos.

“É um recado simples, mas que quer dizer muita coisa”, diz Clayton Araujo. “Ele é contra quem estiver em desacordo com a normalidade e vai usar a lei e a ordem com isso”.

Enquanto parte da população enxerga o discurso de Trump como extremista, é exatamente isso que os republicanos e sua base de apoio espera do presidente e concordam com as atitudes dele, como liberar a Guarda Nacional e inflamar repressões cada vez mais violentas contra os manifestantes.

“O Trump vai se aproveitar dos protestos para solidificar uma ideologia”, explica Trevisan.

Enquanto isso, os eleitores moderados e independentes podem acabar se afastando do presidente, já que “há uma percepção de que as ações e as falas dele são falas que criam mais tensão e conflito, além de ter um cunho racista muito forte”, diz Denilde.

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