Em uma nova conversa com as jornalistas da CNN Daniela Lima, Mari Palma e Thais Herédia e a comentarista Gabriela Prioli, o historiador Leandro Karnal analisou o confronto de expectativas e frustrações sobre o fim da pandemia e como isso tem impactado as relações sociais.
Karnal, que foi primeiro entrevistado do programa, previu um “período de grande alegria e felicidade” para a humanidade após a pandemia do novo coronavírus. Nesta segunda entrevista, o historiador vai analisar as mudanças que ocorreram desde essa declaração.
Além disso, o doutor em História Social fala sobre o papel das lideranças e do estado, com uma reflexão sobre a importância do exemplo em tempos de crise.
Otimismo x pessimismo
Karnal diz se considerar otimista “por natureza”, e atribui isso à sua criação e ao seu papel de professor. Apesar disso, o historiador entende que as incertezas e indefinições em meio à pandemia afetam diretamente o otimismo das pessoas. “O tempo da quarentena está muito longo. Claro que é por nossa segurança, mas isso juntou a uma crise política que ficou mais grave, e veio a crise econômica”.
“Esse tripé é bastante detonador do otimismo de todas as pessoas”, afirma.
Ele também ressalta que a experiência da pandemia tem sido diferente para as pessoas, fato que se agrava com a desigualdade social, que limita o acesso aos direitos básicos. “Uma coisa é lidar com o tédio em casa, uma coisa é lidar com a sobrevivência em uma comunidade.”
O amador e o profissional
Para o historiador, o período da pandemia requer, mais do que qualquer outro momento, que o papel de liderança seja exercido. “Isso vale para pai e mãe de família, para o médico, para o jornalista”.
Neste contexto, os amadores e profissionais – como ele classifica as pessoas em relação à habilidade de enfrentar e lidar com os desafios – serão testados, e as diferenças entre eles aparecem. “A diferença entre o amador e o profissional é que o profissional não oscila tanto na hora do ambiente estar pior ou melhor”.
“É um momento que vamos ter que puxar do fundo de cada um, um profissionalismo gigantesco. Esse é o momento que nós temos que ser exemplo para mais gente”, analisa.
Papel da liderança
A partir da comparação dos danos causados pela pandemia com cicatrizes profundas, Karnal é questionado: o que vai diferir, afinal, o tamanho dessa cicatriz no momento em que enfrentamos uma pandemia? Serão as lideranças ou a sociedade civil como um todo?
“A maior lição de tudo isso é exatamente a lição sobre a ação estratégica do estado. Quando sentimos essa confiança em estadistas, e não em pessoas querendo preservar seu projeto de poder, isso é totalmente diferente”, responde.
“Em muitos países, eu acho que a epidemia mostrou a ‘nudez’ de alguns governantes, ou seja, como eram limitados, como eram voltados em um projeto particular de poder, como não pensavam no coletivo, como não tinham capacidade racional para seguir especialistas”.
Segundo Karnal, essa situação poderia ser encarada de outra forma. “Bastava entregar as decisões técnicas aos especialistas e transmitir segurança, otimismo e votos de segurança à população”.
Informação x conhecimento
Enquanto emitir opiniões está em nossa zona de conforto, construir um argumento implica tempo de estudo e dedicação, explica Karnal, que ressalta a diferença entre informação e conhecimento.
“O fato de ter acesso ao Google e o fato de poder procurar uma data histórica, o nome de um vírus ou um remédio específico, faz algumas pessoas acreditarem que acesso a informação seja igual conhecimento”.
“Em plena era do Google, formar um médico ainda é um processo de quase dez anos, entre curso, residência, profissionalização. O custo do conhecimento continua alto.”
Insensibilidade
Se por um lado vemos a solidariedade presente durante a crise sanitária causada pelo novo coronavírus, por outro vemos muitas críticas proferidas nas redes sociais – algumas delas, direcionadas até mesmo para aqueles que tentam ajudar outras pessoas. Para Karnal, isso reflete uma hipocrisia moral, que também deve ser combatida.
“Quando alguém está ajudando cachorros de rua e alguém diz ‘mas pelas crianças você não faz nada’. Na verdade, a pessoa que fala isso nao está tentando relativizar ou inserir em perspectiva, mas quer justificar a sua falta de ação e sua hipocrisia moral”, diz.
“Quem relativiza isso, ‘você ajuda cachorros, mas não ajuda crianças’, ‘lamenta o menino morto no Rio, mas não fala dos policiais mortos’ é uma pessoa que não faz nada nem pelos policiais, nem pelos cachorros e nem pelas crianças. Por de trás de toda reclamação desse tipo, eu sempre encontrei um vagabundo que não fazia nada por ninguém”.
“Essas reclamações não vem das pessoas que estão o dia inteiro na comunidade salvando as pessoas’”, analisa.
Fim do túnel
De acordo com o historiador, o fato de o fim da pandemia parecer mais distante ou incerto é que devemos nos manter firmes, buscando o equilíbrio entre a razão e a emoção. “É exatamente pelo fim da rota ou a luz do túnel parecer mais distante, que nós deveríamos ser mais racionais, mais equilibrados, com mais solidariedade.”
Por fim, ele continua sendo otimista. “Eu acho que o ser humano sempre sobrevive. Haverá um novo amanhã.”
Fonte: CNN Brasil