Pesquisa do Núcleo Ciência pela Infância aborda os impactos da crise do novo coronavírus na saúde mental de crianças
Além dos riscos para a saúde física ocasionados pela covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, a pandemia traz uma série de impactos negativos para a saúde mental.
O medo e a incerteza em relação à crise sanitária, bem como a mudança brusca na rotina causada pelas medidas de isolamento social, podem levar a uma incidência maior de ansiedade e estresse em pessoas de todas as idades.
Um novo artigo do Núcleo Ciência Pela Infância explora os efeitos do estresse causado pela pandemia no desenvolvimento infantil. O grupo é formado por pesquisadores da área médica, da psicologia, da economia, da pedagogia e da administração pública, vindos de instituições como a Universidade de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de Harvard, nos EUA.
Saúde mental e convívio
Todos os efeitos que se fazem presentes no desenvolvimento infantil, segundo os pesquisadores, surgem a partir do estresse derivado da própria pandemia – que por si só traz muitas incertezas – e também das medidas de distanciamento social instituídas para frear a propagação do vírus.
Um estudo feito na China, que teve participação de 320 crianças e adolescentes, aponta que a dependência exagerada dos pais e falta de atenção são os principais problemas reportados por participantes em meio à pandemia.
IMPACTO NA SAÚDE MENTAL
Além dos impactos sentidos de maneira individual, o artigo destaca que o estresse também pode surgir de situações de convívio familiar que são acentuadas pela pandemia.
Entre março e abril, houve um aumento de quase 20% nos casos de violência doméstica no estado de São Paulo, em comparação ao mesmo período no ano de 2019. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública.
Os efeitos da violência doméstica no desenvolvimento infantil são múltiplos. Nas grávidas, a violência pode comprometer o desenvolvimento do feto.
Em crianças, a situação pode acarretar no estresse tóxico, que ocorre quando há uma série de adversidades constantes, espalhadas em um longo período, sem o suporte de adultos. O resultado pode ser a interrupção do desenvolvimento saudável do cérebro, o que leva a mudanças bruscas no comportamento, diminuição da imunidade, ansiedade e depressão.
Também existem efeitos decorrentes do fechamento das escolas. Para crianças de famílias vulneráveis economicamente, a interrupção da aula significa a falta de acesso à merenda, que muitas vezes é a principal refeição do dia.
Do ponto de vista pedagógico, há prejuízo no aprendizado das crianças de primeira infância, já que nessa fase os alunos precisam de experiências concretas e interativas para consolidar o conhecimento, e aulas digitais não seriam suficientes para isso.
Sem aulas, as crianças passam mais tempo em casa e podem ser expostas mais facilmente à violência e à negligência familiar. A convivência prolongada, de 24 horas por dia, sete dias por semana, sem o apoio do ambiente escolar, pode ser o estopim para acentuar casos de depressão materna.
Para além disso tudo, há também o cenário econômico. A pandemia interrompeu a renda de cerca de 2 milhões de brasileiros, e as dificuldades financeiras podem retroalimentar todo o ciclo de estresse e problemas que surgem no âmbito do convívio familiar.
As recomendações para driblar os efeitos
De acordo com o artigo, crianças e adultos lidam com o estresse por meio de três mecanismos: autonomia para agir diante da fonte de tensão, sensação de controle e senso de pertencimento ao grupo do qual faz parte.
A partir disso, os pesquisadores traçam uma série de recomendações para lidar com os efeitos da pandemia nos pequenos.
A principal é estabelecer uma rotina de atividades, que estruturam o dia e permitem a formação de laços entre pais e filhos. Leitura, desenho, jogos, brincadeiras e auxílio nas tarefas domésticas são algumas delas. Elogios também são recomendados, como forma de recompensa pelas boas atitudes.
Também é recomendável que os pais possibilitem a manutenção dos laços afetivos dos filhos com amigos e outros familiares, por meio de encontros virtuais.
Em situações de tensão, a recomendação é o diálogo, com os pais buscando entender por que a criança teve reações como birras e manha, conversando de forma a tranquilizá-la.
“A criança é um ser que filtra as informações de seu contexto, construindo sua trajetória psicológica”, afirma o texto. “Assim, em um meio de tensão, é esperado que a criança esteja sensível, com comportamentos diferentes dos habituais e faça muitas perguntas, pois sua tranquilidade para pensar, realizar tarefas e lidar com sentimentos está modificada”.
Fonte: Nexo Jornal