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Mulheres são maioria após 90 anos de voto, desafio agora é representatividade

As mulheres são maioria entre os eleitores de Santa Catarina. O voto feminino completa 90 anos nesta quinta-feira (24) e, agora, o desafio é outro: mulheres eleitas para cargos políticos. Apesar de terem o maior poder de voto, os cargos políticos protagonizados por mulheres são minoria em comparação aos homens no poder.

Aos 67 anos, Rosângela Amorim dos Anjos, mais conhecida como Nina, é líder comunitária do bairro Saco Grande, de Florianópolis, e lembra do que sentiu no dia em que votou pela primeira vez. A cultura do voto foi passada dos pais para a filha, que lembra como eram os dias de eleições na infância. 

— Acho que eu tinha 18 anos. Senti empolgação, né? Aquela emoção de quem acha que o voto vai mudar a realidade do bairro, da cidade, do mundo. É uma romântica que hoje não tenho mais, mas continuo votando. Eu lembro dos meus pais, eleição era um dia diferente, eles acordavam cedo, se arrumavam, eram os primeiros a estar lá — lembra Nina. 

Segundo dados Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mulheres representaram em torno de 51,5% do eleitorado nas Eleições em Santa Catarina em 2018 e 2020. A porcentagem, que pode definir eleições, é responsável por manter os assentos de câmaras municipais, estaduais e nacionais ocupados por uma maioria esmagadora de homens.

A porcentagem de mulheres candidatas à cargos estaduais e municipais não ultrapassa muito as cotas de 30% estabelecidas por lei para cada partido. Enquanto homens protagonizaram 66% das candidaturas nas eleições de 2020, mulheres foram responsáveis por 34%. Já em 2018, o número foi apenas o necessário para a legalidade das candidaturas, 31,5% de mulheres candidatas do total. 

Para a doutora em Ciências Sociais, idealizadora e presidente da ONG Escola da Política, Vilma Aguiar, o aumento de mulheres que votam representa apenas um alinhamento com a população, que hoje com uma população parecida em números entre homens e mulheres no Brasil. Segundo ela, a dificuldade está em eleger representantes femininas para a política. 

Segundo ela, a dificuldade em se eleger começa na distribuição da verba pública para custear as candidaturas. Vilma afirma que o rateio para o orçamento na eleição prioriza homens, e automaticamente, inviabiliza a eleição de uma mulher. 

— As candidatas laranjas são só o ápice do problema. Existem mulheres que são candidatas, mas não recebem investimento do partido e, por isso, não tem nenhuma chance real de ser eleger. Não é um conjunto de facilidades, é um conjunto de dificuldades. 

De acordo com Vilma, quando o recurso é distribuído de maneira obrigatória, manobras são feitas para que o rateio seja feito de maneira que esse dinheiro não chegue diretamente às candidaturas protagonizadas por mulheres.

Das que se candidatam, metade chegam ao poder. Segundo o TSE, em 2020, mulheres representaram 15,7% das eleições. Em 2018, o número subiu e foi para 17,7% das pessoas eleitas. A falta de igualdade em relação à estatística de eleitores, segundo Vilma, é explicada pelo fato do número de assentos políticos não poder ser aumentado.

— Pra ser uma mulher eleita, aí é outro tipo de luta política. O número de cadeiras no executivo é fixo. Não vou aumentar mais cadeiras pra dar lugares. Pra uma mulher ser eleita um homem tem que perder o seu espaço, e isso a gente não pode esquecer. É uma luta por poder, que são sempre as mais aguerridas. Não há um interesse nos partidos, que são controlados pelos homens, em na verdade, criar esses espaços pra mulheres, porque eles vão perder lugar. Uma mulher a mais é um homem a menos — pontua Aguiar.

Nina conta que já participou de debates e audiências públicas, e que sabe da dificuldade e da força necessária para as poucas mulheres que chegam a ocupar cargos políticos.

— A mulher que consegue chegar lá, é esmagada, e desmerecida por homens que muitas vezes ocupam o mesmo cargo há anos. Se você não bate de frente, te olham com indiferença, não é fácil — explica Nina.

Por que mulheres não votam em mulheres?

O fato de mulheres serem a maioria entre os eleitores, e enfrentarem uma desigualdade grande entre os eleitos, mostra que mulheres votam em homens. A escolha, de acordo com Vilma, tem ínumeras razões. 

— Mulheres estão elegendo homens. Aí a gente pode pensar em várias questões, mas de fato socialmente a gente não tá acostumada em mulheres em cargo no poder. As mulheres precisam confiar em outras mulheres, se elas continuarem achando que política é coisa de homem a gente não vai mudar esse cenário — explica Vilma.

— Temos que incentivar pra que elas ocupem esse espaço que também é delas, mas a gente não incentiva. Aí quando ela sai [decidide concorrer], a gente diminui e menosprezamos. Enquanto a mulherada não tomar consciência de que pode, não vai mudar — enfatiza Nina.

Nina conta que já recebeu convites para se candidatar, mas nunca aceitou. Hoje acredita que a mudança pode vir através da educação. 

— Nas escolas, na universidade, a gente tem que ensinar, mostrar que mulheres também podem ocupar esse espaço. Isso me deu uma ideia, de trabalhar com a molecada aqui [no bairro], mostrar que elas podem. Isso não tem nada a ver com partido, é educação política. 

Nina é líder comunitária do bairro Saco Grande
Nina é líder comunitária do bairro Saco Grande (Foto: Arquivo pessoal)

Quando questionada sobre o que pode mudar quando o sufrágio feminino no Brasil completar 100 anos, daqui uma década, Vilma não se mostra otimista. A doutora cita exemplos como o México, que determinou a paridade em assentos das câmaras políticas, ou seja, a porcetagem de mulheres eleitas deve ser igual a de homens.

— Leis que regulam as candidaturas femininas, existem desde 1997, fazem incentivos formais pra candidaturas femininas, passou de 4% pra 15%. Em 25 anos. Não dá pra ser otimista. A mudança não precisa ser só para muito mais mulheres interessadas em política, mas em assentos, a gente não tem muita mudança significativa a não ser que seja lei — defende.


Fonte: NSC

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