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Médica que aplicou nebulização de cloroquina em pacientes em UTI será investigada

O Hospital Nossa Senhora Aparecida, de Camaquã (RS), cidade a 130 quilômetros de Porto Alegre, solicitou nesta segunda-feira (22) ao Ministério Público estadual e ao Conselho Regional de Medicina (Cremers) que investiguem a conduta profissional da médica Eliane Scherer, que até semana passada atuava como intensivista na instituição. A médica estava utilizando um procedimento experimental e sem comprovação científica em pacientes da emergência com hidroxicloroquina inalável para combater a Covid-19. O medicamento era diluído em soro fisiológico e aplicado sob a forma de nebulização.

O procedimento não tem aval dos protocolos de saúde do hospital nem do fabricante do produto, o que coloca em risco a segurança dos pacientes. Segundo a assessoria jurídica do hospital, a médica “descumpria protocolos [de segurança] de forma contumaz”, o que provocou o pedido para que fosse desligada do corpo de profissionais que atende a instituição.

A médica não era funcionária do hospital, mas contratada da Promed, empresa que intermedeia serviços médicos em clínicas e hospitais. Ela atuava no local desde março de 2020. Pelo contrato, deveria atuar apenas no serviço de pronto-socorro do hospital, mas estava aplicando nebulização de hidroxicloroquina em pacientes internados na UTI e nos leitos clínicos. Scherer não tinha autorização para ingressar ou atuar nesses ambientes.

— A profissional em questão tinha um histórico de muitas dificuldades no trato pessoal com a equipe. As ameaças eram frequentes — justificou o assessor jurídico do Hospital Nossa Senhora Aparecida, Maurício Rodrigues.

No dia 17, diante das denúncias, a instituição pediu à Promed que excluísse Scherer da escala de plantões. A Promed confirmou que a médica foi substituída a pedido do hospital e que a situação de Eliane Scherer junto à empresa continua inalterada. Enfermeiros e auxiliares de enfermagem relataram que foram pressionados pela médica a aplicar as nebulizações com hidroxicloroquina, mas se negaram dizendo que não há indicação para o uso do medicamento dessa forma. Além disso, a médica não fazia a prescrição para o uso do fármaco, o que também é ilegal.

A cloroquina e a hidroxicloroquina não têm eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19. O caso foi denunciado por dois profissionais de enfermagem e por uma auxiliar.

O caso ganhou repercussão depois que um vereador da cidade de Dom Feliciano, a 45 quilômetros de Camaquã, disse ter se curado da doença ao usar o método proposto por Scherer. Dalvi Soares de Freitas (PSB) disse que estava com metade do pulmão comprometido e que só melhorou após inalar a solução de cloroquina com soro fisológico. A própria médica, segundo ele, aplicou a nebulização, diante da recusa dos integrantes de equipe que o atendiam no hospital.

O tratamento experimental e sem comprovação científica foi exaltado pelo presidente Jair Bolsonaro na sua live da última quinta-feira (18). Na sexta-feira (19), o presidente falou a uma rádio local criticando o hospital por ter pedido o desligamento da médica.

— Os médicos têm o direito, ou o dever, no momento em que falta medicamento específico para aquilo, com comprovação científica, ele pode usar o que chama de off label, fora da bula. Mas no Brasil virou um tabu, praticamente é criminoso quem fala disso — afirmou à rádio.

Bolsonaro voltou a bater na tecla de que, para salvar vidas, vale qualquer coisa.

— Sabemos que a vacina é um custo bilionário para o mundo todo. E parece que grupos interessados em investir apenas na vacina é que deixam de lado a questão do tratamento preventivo que existe e também o tratamento logo após a contração da doença — disse.

A médica disse que não inventou a prescrição da hidroxicloroquina inalável e que a técnica consta da literatura médica.

— É para o bem dos pacientes. Não ganho nada com isso, cada cápsula custa muito barato para o tratamento — disse.

Scherer é dona de um centro de ecografia em Camaquã. No fim de semana, uma campanha nas redes sociais pediu a reintegração da médica e acusou o Hospital Nossa Senhora Aparecida de estar adotando “protocolos de morte” da população.

Conselho de Enfermagem

O Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren/RS) disse que os profissionais que se recusaram a seguir as orientações da médica adotaram um procedimento correto.

— Além da prescrição não ter sido documentada pela médica, o fármaco não era do hospital. A conduta dela foi totalmente irregular — disse a presidente do Coren, Rosângela Schneider.

Em nota, o Conselho disse ainda: “Aos profissionais de enfermagem, mais que um direito, é um dever recusar-se a executar prescrição de enfermagem e médica em caso de identificação de erro e/ou ilegibilidade”.

O procedimento está previsto no artigo 46 do Código de Ética da profissão – Resolução Cofen nº 564/2017.

“Também é um dever posicionar-se contra, e denunciar aos órgãos competentes, ações e procedimentos de membros da equipe de saúde quando houver risco de danos decorrentes de imperícia, negligência e imprudência aos pacientes, visando a proteção da pessoa, da família e da coletividade”, prosseguiu a nota.

Pelo menos duas famílias de Camaquã recorreram à Justiça para garantir o tratamento proposto pela médica. O juiz Luís Otávio Braga Schuch, da 1ª Vara Cível de Camaquã, concedeu liminar nesta segunda-feira aos pedidos, mas fez a ressalva de que Scherer deveria “assumir a responsabilidade pelo tratamento integral do paciente”.

Além disso, o hospital deveria “proceder a cientificação do paciente e/ou seus familiares de que o tratamento em questão é experimental e não atende os protocolos atuais para Covid-19”.


Fonte: NSC Total

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