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Estados compram 7 mil respiradores, mas menos da metade é entregue; valor de cada equipamento varia de R$ 40 mil a R$ 226 mil no país

Os estados compraram 6.998 respiradores pulmonares durante a pandemia de Covid-19, mas apenas 3.088 foram entregues até o momento – o que equivale a menos da metade dos equipamentos (44%). É o que mostra um levantamento feito pelo G1 com base em dados coletados nos 26 estados do país e no Distrito Federal.

As informações oficiais foram obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação e com as assessorias das secretarias estaduais da Saúde. Os dados são os mais atualizados disponíveis, referentes ao fim do mês de junho.

O respirador é considerado importante para pacientes em estado grave da Covid-19, quando há insuficiência respiratória. O aparelho tem a função de poupar o esforço de respirar. Em alguns casos, os pacientes chegam a ficar duas semanas na UTI fazendo uso do respirador. Sem esse equipamento em número suficiente, médicos relatam que são obrigados a escolher qual paciente terá mais chances de sobreviver.

O Brasil registra mais de 55 mil mortos pela doença, segundo balanço do consórcio de veículos de imprensa.

Compras sob suspeita

O levantamento do G1 mostra ainda que, na maioria dos estados, a compra de respiradores é apurada pelo Ministério Público de Contas. Grupos especiais de trabalho e forças tarefas foram criados nos Tribunais de Contas dos Estados. A equipe de reportagem entrou em contato com os órgãos dos 26 estados e do DF para checar se há uma investigação em curso (veja no fim do texto a medida que cada um vem tomando).

Há processos e auditorias em andamento, que já resultaram, inclusive, na rescisão de contratos em alguns estados. Funcionários das secretarias também foram presos, como no Rio de Janeiro e em Santa Catarina.

No Pará, o governador do estado, Helder Barbalho (MDB), e o presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Alberto Beltrame, foram alvos de buscas em uma operação da Polícia Federal sobre a compra de respiradores.

O Ministério Público Federal também instaurou um inquérito civil para apurar se houve improbidade administrativa no contrato firmado entre o Consórcio Nordeste e uma empresa para a compra de respiradores. Uma operação da Polícia Civil da Bahia batizada de Ragnarok prendeu os donos da empresa que vendeu e não entregou os equipamentos.

O valor médio pago por um respirador varia de R$ 40 mil a R$ 226 mil no país, revela o levantamento. Ou seja, um respirador pode ser até cinco vezes mais caro do que outro.

Os valores mais altos foram pagos em contratos assinados pelos governos de Rio de Janeiro (R$ 226 mil) e São Paulo (R$ 189 mil). Já os valores mais baixos foram registrados por Paraná (R$ 40 mil) e Roraima (R$ 44 mil).

Respiradores comprados pelos estados (atualizado em 26/6) — Foto: Juliane Souza/G1

Respiradores comprados pelos estados (atualizado em 26/6) — Foto: Juliane Souza/G1

Falta de planejamento e coordenação

Para Margareth Portela, pesquisadora da Fiocruz e da Escola Nacional de Saúde Pública, os dados revelam a falta de um planejamento global no Brasil. “Esse foi um elemento muito importante. Faltou uma coordenação federal, que poderia garantir, por exemplo, melhores negócios nas compras. De certa forma, cada estado, cada município teve que tocar a sua solução. Cada um cuidou e correu atrás. No Nordeste, a gente tem a situação do consórcio, que foi uma iniciativa conjunta dos estados para esse enfrentamento e que envolveu compra de respiradores, mas ele está sendo investigado por possíveis irregularidades”, diz.

“Se o governo federal tivesse conseguido fazer uma conversa com os governadores e traçar um planejamento, talvez pudesse ter tido melhores resultados. O Brasil é imenso e as unidades federativas têm independência para buscar soluções, mas a dificuldade de articulação pesou”, afirma Margareth Portela.

Além disso, segundo ela, o fato de outros países terem enfrentado uma situação mais crítica antes complicou o quadro. “Vários países estavam comprando. Os Estados Unidos estavam retendo equipamentos. Nesse contexto externo, de necessidade de respiradores em vários lugares do mundo, o Brasil teve menos poder de barganha”, diz.

“Tem a questão do mercado também. O mercado não dava conta da demanda. Ele funcionou naquela coisa de ‘quem dá mais, leva’. O mercado foi perverso. Não é toda empresa que funciona com a lógica do que é justo. A lei da procura e da demanda continua existindo. As diferenças de preço vêm disso também, não é só corrupção”, afirma Portela.

Apenas três estados não tentaram comprar o equipamento durante a pandemia: Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins.

Em Goiás, a Secretaria da Saúde diz que ainda não houve a compra, mas que existe um processo de aquisição de 334 unidades em andamento. “O processo ainda se encontra na fase de avaliação de propostas”, informa a pasta.

Já no Distrito Federal, o governo iniciou a compra de 300 respiradores, mas ela nem chegou a ser concluída. Durante as negociações, uma operação foi deflagrada e terminou com a prisão de um médico, diretor do Instituto de Gestão Estratégica do Distrito Federal, suspeito de desviar materiais hospitalares, inclusive respiradores, da rede pública para a privada.

Além dos respiradores comprados pelos governos estaduais, o Ministério da Saúde distribuiu 4.435 equipamentos para os estados, sendo que RJ (737), SP (645) e PA (394) foram os que mais receberam e SC (17), MT (20) e PI (50) os que menos receberam. Há ainda estados que receberam respiradores como doações.

Falta de respiradores e espera

Para Margareth Portela, a falta de respiradores teve um impacto avassalador na crise de saúde pública do país. “Houve muitas mortes. Esses resultados no Brasil expressam as nossas dificuldades, como a questão de estrutura adequada, de não ter equipamento. E expressam o momento em que as pessoas estavam morrendo nas cadeiras de UPA por falta de equipamentos, por falta de leito suficiente.”

“A gente está tendo um resultado que é o somatório potencializado de uma série de problemas. Em alguns lugares, o SUS responde melhor, em outros, pior. Tem questões de vulnerabilidade social, tem falta de acesso da população aos serviços. Se não tem contato com rede social no entorno, a pessoa morre em casa. Por isso, tem que ter uma rede funcionando”, afirma a pesquisadora.

“A gente tem que continuar se organizando. Não é pensar que já passou e a gente agora se desmobiliza. A gente tem que ter um esforço para continuar se estruturando e corrigindo os desvios de rota. Tem a questão da organização da rede que ainda está em curso. Na hora da crise, a gente não estava suficientemente organizado. Mas tem que continuar. A batalha é saber que o problema ainda não passou”, diz Portela.

Sobre os respiradores ainda não entregues, ela diz que é preciso avaliar caso a caso se os equipamentos ainda são necessários.

“A gente ainda tem alguns casos em que leitos não foram abertos em função da falta de respiradores. Acredito que ainda tenha pertinência de, pelo menos, receber parte dos equipamentos que foram encomendados. Talvez não tudo”, afirma.

“Tem que ter uma análise, olhando localização estratégica, que tenha acesso a vários municípios que não têm outros recursos. Mas, a grosso modo, não justifica mais receber todos os equipamentos.”

Corrida por equipamentos x qualidade dos produtos

A pandemia gerou uma corrida para a compra de respiradores, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), álcool em gel, testes para a detecção da Covid-19, entre outros itens. Diante do cenário de emergência, alguns estados fizeram as compras com dispensa de licitação.

Além disso, a MP 961 de 2020 também flexibilizou as regras para licitações e contratos ao possibilitar, por exemplo, o pagamento adiantado para os governos federal, estadual e municipal.

O levantamento do G1 mostra que os equipamentos foram adquiridos das mais variadas empresas, sejam nacionais ou estrangeiras.

Para a especialista da Fiocruz, isso também é reflexo de uma falta de programação. “Como tudo no mercado, às vezes tem produtos de qualidade diferente. Tem fabricantes muito ruins, fabricantes de produtos melhores. Teve uma variação. E, no momento de crise, se consome qualquer coisa. Você precisa do produto, você está vivendo o pânico da crise e precisa do produto o mais rápido possível.”

No Pará, por exemplo, a Secretaria da Saúde comprou 400 kits com respiradores. Só 152 foram entregues, mas eles apresentaram problemas e não puderam nem ser utilizados. Foram devolvidos.

Segundo Portela, esse tipo de crise emergencial também abre brechas para desvios. “Infelizmente, a gente tem uma cultura institucionalizada de corrupção em alguns lugares. No Rio, não resta muita dúvida de que houve uma situação de corrupção”, diz.

“Não dá pra descartar que muitos se aproveitaram da situação. Era uma excelente oportunidade de fortalecimento do SUS, de investir em estrutura existente que está detonada por causa de anos de investimentos ruins. Hospital e leito de campanha é uma solução preconizada, mas não a solução única”, afirma a pesquisadora.

Veja a situação em cada estado:

Acre: o estado comprou 39 respiradores, mas só 5 foram entregues até o momento. O custo total foi R$ 3,07 milhões. Segundo a Secretaria da Saúde, 34 custaram R$ 79,4 mil cada um, 1 deles custou R$ 90 mil e outros 4 custaram R$ 70 mil cada um.

A pasta diz que 5 deles foram comprados da Olstec Comércio e Artigos Ltda. e 34 foram adquiridos em uma compra internacional em conjunto com o Ministério Público do Trabalho (MPT). O Ministério Público de Contas afirma que não há nenhuma representação protocolada para investigar a compra. Mas diz que existe um grupo de trabalho criado para apurar todas as compras durante a pandemia.

Alagoas: o estado comprou 50 respiradores, mas eles nunca foram entregues. “Alagoas adquiriu, por meio de compra coletiva realizada pelo Consórcio Nordeste, 50 respiradores para o enfrentamento da pandemia provocada pelo novo coronavírus (Covid-19) no estado. No entanto, a compra não foi realizada.

O governo de Alagoas recebeu, na sexta (12/6), o reembolso do valor investido na compra para equipar Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) destinadas ao tratamento de pacientes acometidos pela Covid-19, mas que nunca chegaram ao estado. O valor ressarcido foi de R$ 4.662.971,58, referente ao pagamento de 50% do valor que o estado já tinha feito”, informa, em nota, a secretaria.

O Ministério Público de Contas diz que ainda não foi feita nenhuma apuração sobre a compra.

“Em regra, todos os contratos celebrados por entes públicos devem ser remetidos ao Tribunal de Contas o Estado até o último dia do mês seguinte a sua celebração, e, durante o trâmite, esses contratos passam pelo MP de Contas para análise e posterior manifestação. Até o momento, o contrato de compra de respiradores pelo governo do estado ainda não passou pelo órgão ministerial. Neste caso específico da compra de equipamentos, o MPC-AL está aguardando o envio dos contratos para o Tribunal de Contas do Estado, pelos gestores públicos. Porém, de uma forma geral, foi criado um Grupo de Trabalho que é formado por procuradores de Contas e servidores do Ministério Público de Contas, com o objetivo de acompanhar e fiscalizar os gastos públicos (nesse período de pandemia) do governo do estado, da capital Maceió e da cidade de Arapiraca (a segunda maior de Alagoas).”

Amapá: o estado comprou 45 respiradores, que já foram entregues. “No início da pandemia a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) adquiriu 50 respiradores no valor de R$ 49.500 cada um. No entanto o Ministério da Saúde fez uma requisição administrativa dos equipamentos e a Sesa conseguiu, judicialmente, a liberação de 25 respiradores, efetuando a primeira compra no valor total de R$ 1.237.500. Na segunda aquisição, com a escassez de aparelhos no mercado já em decorrência da pandemia, e dada a urgência do momento para ampliar os leitos de cuidado intensivo para atendimento a pacientes com Covid-19, a Sesa adquiriu de uma mesma empresa o que havia disponível, foram 20 respiradores com preços que variam entre R$ 70.000 e R$ 140.000”, diz a secretaria, em nota.

As compras foram efetuadas nas empresas Intermed e L C Dadde. O custo total foi de R$ 3,75 milhões.

Amazonas: o estado comprou 28 respirados ao custo total de R$ 2,9 milhões. Foram 24 unidades por R$ 104,4 mil cada uma e 4 unidades por R$ 117,6 mil cada uma. A compra foi feita da empresa FJAP E CIA Ltda.

Ministério Público de Contas do estado ingressou com uma representação (processo 12.269/2020), com pedido de liminar, perante o Tribunal de Contas do Estado, para apurar irregularidades observadas na aquisição dos respiradores.

“O Ministério Público de Contas do Amazonas reafirma sua posição em defesa da sociedade e do dinheiro público, esperando que os fatos sejam esclarecidos o mais rápido possível.”

Bahia: o estado comprou 219 respiradores das empresas Leistung Equipamentos Ltda e da Asano Eletronics Co. Limited. Todos foram entregues.

A secretaria não informa o valor unitário nem total. Tanto via assessoria como via Lei de Acesso, foi fornecido um link para um portal onde há mais de 3 mil páginas com todas as compras e onde não é possível fazer uma busca por “respiradores”.

“Além dos adquiridos pelo estado, recebemos a doação de 20 respiradores do Grupo Suzano e 40 da Federação das Indústrias da Bahia”, diz a pasta.

O Ministério Público de Contas da Bahia (MPC/BA) protocolou junto ao Tribunal de Contas do Estado da Bahia um pedido de auditoria especial.

“O processo nº 002961/2020, nos moldes previstos no art. 6°, inciso XII, do Regimento Interno do TCE-BA, foi aberto no sentido que fosse feito o acompanhamento concomitante de distintos aspectos envoltos em contratos firmados pelo Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste – Consórcio Nordeste (pessoa jurídica de direito público interno, integrante da Administração Indireta do Estado da Bahia) com fins de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19)”, diz o órgão.

“Vale lembrar que os procedimentos fiscalizatórios ainda não foram concluídos nem convertidos em processos de controle externo sujeitos à apreciação do Tribunal Pleno do TCE-BA – órgão Julgador competente para, colegiadamente, determinar medidas institucionais incidentes sobre órgãos e instituições fiscalizadas.”

Ceará: o estado comprou 750 respiradores, mas apenas 250 foram entregues. A secretaria não informa o valor unitário de cada um nem o total da compra. O Ministério Público de Contas diz que foi criado o “Grupo de Trabalho Covid-19”.

“Analistas do Tribunal de Contas do Ceará, que integram o Grupo de Trabalho Covid-19, já estão verificando os documentos e informações encaminhados pela Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) e por prefeituras municipais – capital e interior – referentes a dispensas de licitações em processos para contratação de produtos e serviços a serem utilizados no combate ao novo coronavírus (Covid-19). A documentação foi solicitada em ofício da Presidência.”

Distrito Federal: o estado tentou comprar 300 respiradores, mas uma operação deflagrada pela Polícia Civil acabou com os planos. “A Secretaria de Saúde esclarece que não houve compra. O processo que estava em andamento foi fracassado, ou seja, todas as propostas foram reprovadas”, informa, em nota oficial.

O Ministério Público de Contas do Distrito Federal ofereceu a representação nº 21/2020 (processo nº 00600-00001279/2020-22-e) junto ao Tribunal de Contas a respeito da compra de 300 respiradores pelo DF, para análise da compatibilidade dos preços estimados.

“O Gabinete da 2ª Procuradoria proferiu o parecer nº 440/2020-CF, por meio do qual reafirmou a necessidade de o TC-DF acompanhar a aquisição de ventiladores pulmonares pela SES/DF e IGES/DF. Recentemente, enviou ofício no mesmo processo no qual relaciona as últimas compras de respiradores realizadas.”

Espírito Santo: o estado comprou 509 respiradores. Foram adquiridos 350 respiradores da Itália e outros da indústria nacional. Entre as empresas nacionais e internacionais estão Siare Engineering International Group, Intermed Equipto Medico Hospitalar Ltda, Novitech Comércio e Serviços LTDA e Ul Química E Científica. Segundo a secretaria, o valor de cada respirador variou entre R$ 60 mil e R$ 70 mil.

O Ministério Público de Contas diz que, “até o momento, não há nenhuma investigação em curso no Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) envolvendo a compra de respiradores por municípios ou pelo estado do Espírito Santo”.

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