A ivermectina é a droga da vez nas indicações de tratamentos “milagrosos” contra o coronavírus. Em Santa Catarina o vermífugo já foi indicado por prefeituras e, em algumas cidades, já está em falta nas farmácias. Sem testes em humanos até hoje, o medicamento é também alvo de uma série de manifestações de especialistas contrários ao uso sem indicação médica.
Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde, o catarinense Ronald Ferreira dos Santos diz que a entidade é “absolutamente contrária” ao que chamou de “espetacularização” do remédio:
– É algo sem base na ciência, sem evidências, para validar uma discussão de que é uma gripezinha, que tem remédio e por isso as outras medidas não são necessárias. Nós [Fenafar] entramos com uma ação no Ministério Público Federal contra o Ministério da Saúde para enfrentar essas indicações. Isso é um absurdo, lidar com o sofrimento das pessoas com ilusões, é quase um charlatanismo. Não há evidência alguma [sobre a ivermectina], se há alguma evidência é de que faz mais mal do que bem.
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A crítica enfática de Santos segue a mesma linha da manifestação da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas (ABCF), composta por pesquisadores do país inteiro. Através de comunicado, a entidade ressaltou que a ivermectina ainda não foi pesquisada em humanos com covid-19 e “pode provocar efeitos colaterais severos se administrada com cloroquina e hidroxicloroquina”.
Conforme a ABCF, em doses baixas a ivermectina pode trazer com pouca frequência efeitos colaterais como dor muscular ou nas articulações, tonturas, febre, dor de cabeça, febre, agravamento de casos de asma e elevação da frequência cardíaca. No entanto, doses altas podem aumentar esses efeitos, e a combinação com remédios como cloroquina e hidroxicloroquina pode trazer outros efeitos mais severos, como rabdomiólise (síndrome que causa destruição de fibras musculares esqueléticas e pode provocar insuficiência renal) e intensa mialgia (dor muscular).
Para o presidente da Fenafar, o uso de medicamentos contra a covid-19 sem indicação de um especialista pode causar mais problemas ao paciente, além de influenciar na efetividade de outras medidas mais importantes – como o distanciamento social e o uso de máscara.
– Ao usar um remédio sem a necessidade, você só vai ficar com os efeitos adversos, sem os benefícios. O advento dessas soluções mágicas vai na contramão de enfrentar a pandemia. Todos os estudos apontam que o que é efetivo no combate a pandemia é o distanciamento social, identificar os casos, colocar em quarentena, tratar os sintomas. Essa é a forma como se tem notícias de ser possível enfrentar a pandemia. Em Santa Catarina, onde o momento é de curva ascendente dos casos, trazer esses elementos e estimular esses medicamentos é assustador – opina Santos.
Vermífugo é usado para tratar piolhos
A ivermectina é um vermífugo indicado para o tratamento em humanos de parasitas e piolhos, e que vem sendo um dos medicamentos já existentes pesquisados no combate ao coronavírus. A publicidade em cima do remédio surgiu após resultados positivos da Universidade Monash, na Austrália, onde pesquisadores atestaram a eficácia da ivermectina contra o coronavírus em testes in vitro.
Todos os resultados até agora, no entanto, foram em células dentro de laboratórios. Conforme a própria universidade, ainda não há informações suficientes sobre o uso do vermífugo em humanos com covid-19 – e essa é a fase seguinte da pesquisa, que está em curso. Antes de resultados confiáveis em pessoas, a automedicação com a ivermectina não é recomendada para pacientes com sintomas ou na forma de prevenção.
A Sociedade Brasileira de Infectologia publicou uma nota pública em que alerta sobre a prescrição de substâncias que ainda não foram suficientemente testadas. “Muitos dos medicamentos que demonstraram ação antiviral in vitro (laboratório) não tiveram o mesmo benefício in vivo (seres humanos). Só estudos clínicos permitirão definir seu benefício e segurança na covid-19″.
Em Balneário Camboriú, a adoção do protocolo de tratamento com a ivermectina e outros remédios gerou atritos entre alguns médicos, e pelo menos três teriam se afastado do comitê que coordena as ações de combate ao coronavírus na cidade. O caso fez o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) enviar ao CRM um questionamento sobre a mudança no modelo de atuação. A promotoria afirma haver indícios de que a alteração de protocolo em Balneário Camboriú pela prefeitura tenha “influência religiosa e política”.
Fonte: NSC