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Como a cor lilás virou símbolo da luta LGBTQI+

Todos os anos o mês de junho do Orgulho Gay chega junto de uma explosão de cores. Em todo o mundo, as bandeiras do arco-íris aparecem e os apoiadores se sentem representados.

A bandeira multicolorida une a comunidade LGBTQI+ há mais de 40 anos e, embora continue sendo um símbolo universal de orgulho gay, a libertação nem sempre veio em cores vibrantes.

De fato, o lilás – uma tonalidade sutil que muda entre roxos rosados claros e tons de cinza azulados – teve, apesar de sua natureza extravagante, seu próprio significado histórico em representar resistência e poder.

O surgimento de uma tendência de cores

Como muitos aspectos da cultura queer, não é de se surpreender que o simbolismo de cores tenha origem em peças de roupas como saias, especialmente quando se trata de uma sociedade convencional.

Na cultura ocidental, as cores se tornaram objeto de desejo, graças ao gênio lírico, a poeta Sappho, do século VII a.C., cujos fragmentos de papiro contavam suas predileções eróticas por mulheres mais jovens com “tiaras violetas”.

Avançando rapidamente alguns séculos, na década de 1920, as violetas ainda estavam reunindo membros da comunidade lésbica, que presentava as delicadas flores como uma expressão de interesse lésbico.

Não era até o século XIX — com a invenção acidental de um corante sintético roxo — que a cor se tornaria popular na moda. “Corantes sintéticos […] permitiam que pessoas comuns usassem essa cor especial”, explicou a historiadora cultural e autora de “The Secret Lives of Colour” [em tradução livre, “As Vidas Secretas das Cores”], de Kassia St Clair. “Em meados do século XIX, era uma cor da moda, e os homens combinavam calças cor de lavanda, ou couro de corça, com coletes azuis ou casacos de cor clara, acredite se quiser.”

No final do século XIX, no entanto, o público começou a vincular o lilás à homossexualidade. Mesmo momento em que ganhou força o esteticismo, um movimento artístico europeu que evitava a integridade vitoriana e a feiúra percebida da era industrial, em favor da beleza, da paixão e da “arte pela arte”.

Os jornais denunciaram os esteticistas como “afeminados”, pelo menos um dos líderes proeminentes do movimento, Oscar Wilde, que frequentemente lembrava suas “horas roxas” passadas com garotos de aluguel, provocava um escândalo moral com os temas homoeróticos, como em “O retrato de Dorian Gray”.

A luta pela visibilidade

A década de 1930 marcou o início de um período sombrio, quando o lilás foi cruelmente lexicalizado. Os gays nos Estados Unidos foram ridicularizados por possuírem uma “pitada” ou “mancha” lilás, grande parte graças ao biógrafo de Abraham Lincoln, Carl Sandburg, que descreveu uma das primeiras amizades masculinas do presidente como contendo uma “mancha de lavanda, e marcas macias como as violetas de maio”.

Durante a era McCarthy, houve discriminação sancionada pelo estado quando o presidente Eisenhower assinou a Ordem Executiva 10450, que se tornou parte de uma caça às bruxas nacional para expurgar homens e mulheres homossexuais do governo federal.

Apelidado de “The Lavender Scare” [Cicatriz lilás] pelo historiador David K. Johnson, o clima sufocante de medo e suspeita levou posteriormente cerca de 5 mil funcionários de agências federais a perderem seus empregos com base em sua sexualidade.

Em 1969, a cor passou a simbolizar o poder. Faixas e braçadeiras lilazes foram distribuídas para uma multidão em uma marcha do “gay power” [poder gay] que foi do Washington Square Park, para o Stonewall Inn, em Nova York, a fim de comemorar os protestos gays de Stonewall ocorridos um mês antes.

Foi também o ano em que a presidente da Organização Nacional para as Mulheres, Betty Friedan, denunciou os membros lésbicos que ela acreditava que ameaçariam o movimento feminista como uma” Lavender Menace” [Ameaça Lilás]. Desta vez, houve reação.

No Segundo Congresso para Unir Mulheres de 1970, um grupo de ativistas radicais vestindo camisetas roxas pintadas à mão, impressas com as palavras “Lavender Menace” [Ameaça de Alfazema] invadiu o palco e deu início a uma conversa sobre o mesmo tema que Friedan se esforçava para suprimir: o lesbianismo.

O lilás, no entanto, nem sempre pode ser bem definido em termos de dor ou protesto.

Ao longo da história, existem inúmeras referências a suas possibilidades subversivas, permitindo que as pessoas LGBTQI+ expressem toda a sua humanidade. Veja o falecido ator e escritor Quentin Crisp, cujos cabelos lilazes foram uma maneira de perturbar visualmente as normas de gênero, até seu aniversário de 90 anos, quando ele realizou uma festa com “guardanapos, pratos e calda de bolo”, tudo em tons de lilás.

Enquanto isso, o cineasta, ator e escritor britânico, Derek Jarman, plantou eu cultivou uma “farmacopeia” de plantas medicinais, em Prospect Cottage, seu oásis em Dungeness, no sul da Inglaterra. Ele também citou a violeta, o malva e a lavanda entre as “cores do Éden” que faltavam no arco-íris de Deus em sua obra “Chroma: A Book of Color” [em tradução livre, Croma: Um Livro de Cores].

Mais recentemente o artista plástico norte-americano Gilbert Baker, cuidadosamente pintou, em 2017, uma faixa lilás para “representar a diversidade na era de Trump”.

Cor viva

Hoje em dia, a cor está sendo usada com confiança, indiferença e algo que parece mais um desafio; um aceno, talvez, para o espírito de protesto radical dos anos 70.

“De maneira mais simplista, a moda tende a ser cíclica, de modo que as cores que não são vistas pelo público há um tempo são frequentemente escolhidas e reinterpretadas pelos designers”, disse St Clair. “O trânsito entre gerações permite que os designers as revigorem: eles se sentem renovados novamente”.

A cor, disse St Clair, foi impulsionada pelos marcos alcançados pela comunidade LGBTQI+ nos últimos anos, incluindo os movimentos de alguns países para legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e, nos EUA, a corrida presidencial do prefeito gay Pete Buttigieg e o tema do Met Gala do ano passado de “Camp: Notes on Fashion” [em tradução “‘exagero’ de notas sobre moda”, fazendo referênia a escritora e filósofa norte-americana Susan Sontag, que escreveu em 1964, o artigo que a estabeleceu como uma importante crítica cultural].

Os “ataques aos direitos civis de gays e transgêneros pela atual administração”, acrescentou ela, também aumentaram os holofotes sobre a comunidade, incentivando-os a “se unirem e explorarem e celebrarem símbolos de identificação que foram importantes para eles no passado”.

Talvez seja por isso que estamos vendo o ressurgimento da cor nas passarelas da primavera-verão de 2020 — na forma des vestidos de renda inspirados no século XVII, da grife Loewe, na roupa pastel suave de Max Mara, nos minivestidos diferenciados de Valentino e em um vestido feito inteiramente de flores de chiffon por Marc Jacobs.

Ou mais explicitamente comemorado pelo editor da Vogue norte-americana, Hamish Bowles, em seu extravagante conjunto Maison Margiela Artisanal, no Met Gala de 2019. Se há uma imagem que mostra às pessoas LGBTQI+ que existe uma vida alegre por aí, certamente é A Bowles sacudindo sua capa de franjas com um toque espirituoso.

Nesse mesmo evento, Lena Waithe escolheu um terno de lavanda Pyer Moss para fazer uma declaração política desafiadora. Em meio ao mar de glitter e lantejoulas, Waithe vestiu as listras de seu conjunto, costurado com as letras das músicas cantadas por Diana Ross e Sylvester, abotoado com os rostos dos pioneiros do camp [a palavra camp vem do verbo francês “se camper”, que pode ser traduzido por “fazer uma pose exagerada”] e estampado nas costas, com uma mensagem ousada: “Black Drag Queens Inventend (sic) Camp [Drag Queens Negras Inventaram o Camp].

De pé, nos degraus de uma instituição poderosa, Waithe parecia anunciar uma nova era para a comunidade LGBTQI+; aquela em que as pessoas agora podem viver sua verdade em cores.

 

Fonte: CNN Brasil

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