Exaltem o cinema nacional!
Por Briann Ziarescki Moreira
Esses dias estava navegando em determinada rede social, quando me deparei com a seguinte declaração: “O cinema nacional é ruim. Tentam copiar o que fazem lá fora, e o resultado quase sempre é péssimo.” A postagem era relacionada ao filme Bacurau, lançado no ano passado e que alcançou aclamação por parte da crítica especializada, mas mesmo assim sofreu inúmeras críticas advindas principalmente de brasileiros. A pergunta que precisa ser feita é: qual a dificuldade em exaltarmos nosso próprio cinema?
Falar sobre cinema internacional é fácil. As pessoas costumam valorizar enormemente os elencos estrelados de Hollywood, se tornam fãs assíduas de determinados diretores e certificam-se de enaltecer as produções quando premiadas nos grandes eventos cinéfilos. Tal admiração tem-se estendido ao cinema europeu, parte do latino e até mesmo oriental, mas por razões inacreditáveis recusa-se a adentrar em território brasileiro.
Não é questão de pouco patriotismo, nem mesmo da famigerada “síndrome de vira-lata” que comumente são apontadas como possíveis causas do desprezo pela produção nacional. Acredito que, como grande parte dos problemas sociais em nosso país, falta conhecimento. E tal quesito vai muito além da população querer ou não fomentar o cinema do país, falta incentivo dos órgãos competentes também. O buraco é bem mais embaixo.
Portanto, para evitar outros possíveis futuros comentários ignorantes pelo simples fato de desconhecer a temática, trarei quatro tesouros de nosso cinema nacional para você iniciar essa relação de amor por produções brasileiras. Vamos de uma estupenda adaptação de peça teatral até um faroeste distópico cujo cenário é o sertão nordestino, passando por um dos melhores filmes de estrada já realizados e uma das mais célebres representações da vida nas favelas cariocas. Simbora?
O Auto da Compadecida (2000):
A adaptação cinematográfica da peça teatral de mesmo nome realizada por Ariano Suassuna em 1955, não poderia ser mais sensacional. Já digo isso logo de cara mas vou me explicar, começando pelo elenco irretocável desta produção: Matheus Nachtergaele e Selton Mello interpretam os protagonistas dessa história que ainda contou com Lima Duarte, Denise Fraga, Diogo Vilela, Virginia Cavendish, Marco Nanini, Maurício Gonçalves, Luís Mello e a incomparável Fernanda Montenegro, além dos saudosos Rogério Cardoso e Paulo Goulart.
Com tanta gente talentosa reunida, a missão do diretor era fazer todas essas engrenagens funcionarem sem ofuscar o material fonte, conseguindo de maneira magistral. A direção é precisa, deixando tempo suficiente em cena para cada ator e atriz brilhar em cenas que se tornaram clássicos instantâneos. Afinal, quem não se lembra do épico julgamento de João Grilo e cia?
As quase duas horas de filme passam voando aqui, méritos de um texto sagaz e de uma edição primorosa que ditam o ritmo do longa de forma concisa e irrepreensível. O gostinho deixado com o fim da história é o de querer voltar o mais rápido possível para o interior paraibano e descobrir o que João e Chicó estão armando dessa vez. Bem, desde que não seja preciso Nossa Senhora vir e intervir novamente…
Central do Brasil (1998):
Filme de estrada ou conhecido na gringa como Road Movie, é um gênero cinematográfico cuja principal característica é o personagem principal colocar o pé na estrada, seja para conquistar um objetivo, encontrar algo/alguém ou simplesmente para mudar seu status quo. Aqui, vemos claramente esse aspecto no longa protagonizado pela dama do cinema brasileiro Fernanda Montenegro, em uma das mais belas interpretações de sua brilhante carreira.
O maior acerto da direção de Walter Salles, é dar tempo ao tempo. Apesar de redundante, essa frase exemplifica o cuidado do diretor em adicionar camadas aos seus personagens, fazendo com que o público crie empatia com os protagonistas e embarque na viagem junto com eles. E que viagem! Não somente em termos geográficos, mas principalmente na evolução – e por que não regressão? – dos personagens em suas jornadas.
Trata-se de um dos mais cuidadosos estudos de personagem já realizados em nosso cinema, recebendo até indicações ao Oscar nas categorias de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz, onde ambos foram, em minha não tão tendenciosa opinião, completamente desrespeitados por não ganharem as estatuetas. Enfim, a injustiça.
Cidade de Deus (2002):
Fernando Meirelles é um dos melhores diretores brasileiros. Isso é fato. O diretor é responsável por longas como O Jardineiro Fiel, Ensaio Sobre a Cegueira e o recente Dois Papas, mas a jóia da coroa, sua Pietá, fica mesmo para esse sensacional longa de 2002. Frequentemente citado como um dos melhores filmes da história, a produção conta sob o olhar das ruas a vivência em uma das maiores favelas do Rio de Janeiro.
A Cidade de Deus aqui respira e transpira. É vívida. As transições sensacionais, repletas de cortes rápidos e enquadramentos meticulosos, transportam o público até o dia a dia daquele lugar. Inovador, o longa consegue de maneira extremamente imersiva fazer nos viver cada conquista e cada ameaça juntamente com o protagonista que também é o narrador desta história tão complexa quanto a ordem das coisas na favela.
Repleto de subtramas, o roteiro nunca deixa o público inerte. Pelo contrário, de forma eletrizante passam-se suas mais de duas horas de duração. Parece-me que, em diferentes proporções obviamente, a ideia aqui é estar sempre alerta como Buscapé. Sempre a espreita de que algo ameaçador ou igualmente importante ocorra. Uma dica? Não pisque!
Bacurau (2019):
Precisamos acabar com o que iniciou tudo isso aqui. Bacurau é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores feitos cinematográficos de nossa história. Responsável por ofender muita gente, o drama/faroeste/ficção científica é inesperado e corajoso. Ao iniciar o longa, imaginamos que a trama iria levá-lo até certo ponto, mas então o roteiro inteligentemente “puxa seu tapete”, e é aí que mora a coragem.
A direção de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles consegue, em inúmeras oportunidades, surpreender o público sem se perder na própria história. Tudo que se passa nessa distopia é, infelizmente, crível ao ponto de deixar o longa assustador. Sua proximidade com a realidade torna o filme relevante e polêmico, ao passo que a qualidade técnica e de atuação tornam a produção inegavelmente admirável.
Outro fator importante a ser destacado é a completa entrega do elenco a essa distopia. O grau de comprometimento dos atores e atrizes aqui, deve andar em conjunto com o do público, para que as diversas camadas dispostas, quando desvendadas, levem a um entendimento complexo e passível de reflexão. Se for, vá na paz.
Espero que após dar uma olhadinha nessas produções, você se torne também um dos apreciadores de nosso cinema. Somente com apoio e disseminação, a sétima arte no país continuará crescendo e trazendo à tona outros tesouros cinéfilos. Defenda o cinema nacional!