Nunca fui muito fã de matemática. Na verdade, até apreciava a milenar ciência dos números quando a tabuada era a maior conquista que eu podia obter. Com o alcance de minha memória e auxílio dos dedos da mão, rapidamente chegava a um resultado lógico e final. Mas então o alfabeto foi se intrometer onde não era chamado. Além das letras penetras, chegaram de repente Bháskara, Pitágoras e seus amigos: progressões aritméticas, geométricas, ângulos, Seno irmão de Cosseno primo da Tangente, todos filhos da hipotenusa. Afinal, não era só achar o valor de “x”?
Apesar de meu desentendimento com tal transformação da boa e velha matemática, reconheço a importância dos números em nossa vivência. Mais do que isso, admiro de forma sincera a beleza por detrás das representações numerológicas. A começar pelas incontáveis coincidências que estão à nossa volta e o estranho prazer que sentimos ao encontrá-las. Gosto de contar, até mesmo à que nunca perguntou, que sou fruto de uma singular sequência de números: avô, filho e neto nascidos no dia 13 de maio. Essa inusitada herança numeral faz parte de quem sou e cá estou: um confesso observador de números.
Quase como um hobby inusual, me vejo a contar degraus de escadas, passadas pela calçada e uma mania completamente ilógica com o volume do televisor (múltiplos de cinco reinam). Se eu disser que realmente vibro quando vejo horas ou datas iguais, vai achar estranho? Nem me peça então o porquê que aprecio tanto o horário 12h34min.
Cheio de manias, minha relação com os números se estreita com elas: intermináveis listas, tops e tabelas sobre qualquer temática que aprecio, o que inclui seguidamente meus filmes. Digo meus, pois no fim das contas a escolha é minha e, mesmo sem cálculos, eu nunca facilito minha vida. Mas a resposta dessa equação estava mais próxima do que pensei. Afinal, qual seria melhor união de números e filmes do que as consagradas trilogias?
Penso muito sobre o número três. É o único numeral que possui a quantidade de soma de seus predecessores. É o número da contagem regressiva, é o pódio, a santíssima trindade. Somos regidos em tríades: manhã, tarde e noite representam o começo, meio e fim de um dia que pode ser passado, presente ou futuro. Portanto, a escolha não poderia ser diferente. Um trio de trilogias compostas de três produções impecáveis que totalizam nove indicações cinéfilas. Que foi? Eu disse que sabia ao menos a tabuada.
Trilogia Before:
Toda história de amor possui três atos? Richard Linklater, diretor desta singela trilogia, precisou de quase duas décadas para contar essa. O enredo acompanha o casal protagonista, interpretado brilhantemente por Ethan Hawke e Julie Delpy, em sua jornada pelo sentimento do amor. É a história de uma paixão e de seu amadurecimento, que aqui é mostrado de forma literal em cena. A decisão de tornar visceral o passar dos anos, torna a experiência ainda mais imersiva. Sentimos junto com o casal o peso dos anos, sendo preenchidos pela mesma nostalgia das memórias de quem um dia eles foram.
Os filmes se passam em três décadas diferentes, com o primeiro ato sendo lançado em 1995. Antes do Amanhecer, mostra como ambos se conhecem e, por capricho do acaso, se apaixonam perdidamente nas escassas horas que possuíam juntos. O tempo voa para os jovens enamorados e também para o público que, encantados pelas ruas de Viena, deixam-se vagar até o âmago dessa paixão. Brilhantemente escrito, o roteiro possui como maior dos méritos sua veracidade. Repleto de diálogos verossímeis, somos levados por essa caminhada doce e detalhada onde apaixonar-se é inevitável.
Com o amanhecer, o quebrantado coração pela dor da despedida somente é reconfortado pela promessa de um “até breve”, que viria somente nove anos depois. A segunda parte da trilogia, lançada em 2004, mostra o tão esperado reencontro do casal dessa vez em Paris, a cidade do amor. Amadurecidos pela idade e vivência, ambos vivem suas vidas até que, unidos novamente por determinado tempo, precisam avaliar o risco de viver novamente essa paixão. Aos moldes de seu predecessor, Antes do Pôr do Sol permanece com os diálogos impecáveis e a química inquestionável dos protagonistas, mas todo o contexto se difere. Afinal, após uma década é inevitável tudo estar diferente. As responsabilidade, aspirações, sonhos e deveres mudaram, mas seria o amor forte o suficiente para superar todo o resto?
Em 2013, Linklater termina sua trilogia de forma genial com o franco Antes da Meia-Noite. O casal protagonista está junto de férias com a família, cujo cenário é as ruínas da Grécia. A metalinguagem aqui é clara: assim como o Partenon, o casamento de ambos está se encaminhando para a ruína. Diferenças são inevitáveis e o encaminhamento para a separação parece certo. Mas o grau de realismo e a qualidade do roteiro fazem deste o clímax ideal para essa história. Conhecemos o casal por menos de 72 horas durante os três filmes, mas sabemos – desde Viena – que ali sempre existiram inconciliáveis discordâncias. Assim como o casal, insistimos nessa história, nesse amor, mesmo com as crises e diferenças. Não é sobre ter um final feliz, mas sim uma resolução real. E você já descobriu se toda história de amor possui três atos?
Trilogia Senhor dos Anéis:
O início do século XXI foi marcado por essa trilogia de números impressionantes: três filmes que totalizam quase 12 horas de duração, com 222 indicações e 136 prêmios – que incluem 17 estatuetas da Academia – e quase três bilhões de dólares em bilheteria. Peter Jackson foi o diretor responsável pela adaptação cinematográfica da obra de J. R. R. Tolkien, que levou o público a uma viagem pela encantadora e perigosa Terra Média, lar de elfos, anões, magos e hobbits. A riqueza de detalhes impressiona, tanto na precisão do roteiro adaptado quanto no design de produção e figurino magistralmente realizados, dando vida a imaginação dos fãs da saga.
Em 2001, iniciamos nossa jornada com o irretocável A Sociedade do Anel, filme que abriu as portas deste mundo mágico de forma brilhante. O elenco recheado de estrelas, some por detrás dos personagens com diálogos marcantes e frases imortalizadas em cena. A beleza do cenário paradisíaco da Nova Zelândia, não permite ao público perceber quando o ótimo uso dos efeitos especiais está em ação, o que faz com que o grau de imersão ultrapasse as barreiras das quase quatro horas de duração. O ritmo aqui nunca se perde, orquestrado pela inconfundível trilha sonora e direção precisa, o público mal vê a hora de voltar a Terra Média.
A continuação viria logo no ano seguinte, afinal os três filmes foram filmados simultaneamente na terra natal do diretor Peter Jackson (cuja qual desconfio cada vez mais ser a Terra Média). Em As Duas Torres vemos o desenrolar dos eventos de forma sequencial ao predecessor, mas com a apresentação de novos personagens e um enredo próprio. O acerto aqui foi tornar cada ato desta história, funcional como produção única, sem nunca perder a identidade da trilogia em sua totalidade. É a sequência ideal, repleta de subtramas que auxiliam o desenrolar da história e que ainda arranja tempo para nos presentear com a melhor sequência de batalha noturna de toda a história cinematográfica. Abismo de Helm um, batalha de Winterfell zero.
No ano seguinte viria o magistral encerramento desta saudosa trilogia. O Retorno do Rei é imponente, longo (4h11min!), inigualável e indiscutivelmente belo. Todas as pontas soltas são perfeitamente amarradas, com preciosa dedicação. O cuidado com os detalhes faz o diretor abdicar do tempo e, sem a menor pressa, encaminhar o fim desta história com a devida grandeza. Mesmo do alto de seus 250 minutos, o ritmo nunca é vagaroso. Repleto de ação, a batalha por Gondor é o ponto alto desta produção de escala jamais alcançada por outrem. Mas o clímax de toda a trilogia fica para a destruição do famigerado Um Anel nas chamas das montanhas de Mordor. Impecável, o fim consegue emocionar a todo o público pela dor de se despedir desta preciosidade do cinema. Apenas épico em todos os sentidos da palavra.
Trilogia De Volta Para o Futuro:
Quem nunca quis um DeLorean atire a primeira pedra! A máquina do tempo mais inventiva da história do cinema é fruto da genial mente do diretor Robert Zemeckis, responsável por esta imortal trilogia. Há muito o que apreciar aqui: o elenco inteiramente comprometido com os personagens, as reviravoltas perfeitamente encaixadas neste roteiro irrepreensível, a direção competente e imersiva, tudo isso orquestrado por uma das trilhas sonoras mais famosas da história do cinema. Ao embarcar rumo ao passado de volta para o futuro e vice-versa, adentra-se também em uma jornada inesquecível repleta do mais puro sentimento aventuresco.
O primeiro longa foi lançado em 1985, tornando-se de forma instantânea um clássico. Responsável por apresentar os personagens e o enredo da saga, o filme não se perde com pormenores indo rapidamente rumo à aventura, dando tempo suficiente para se criar camadas aos protagonistas. A tensão aqui criada deixa o espectador completamente imerso na jornada, causando palpitações cada vez que chegamos próximos de perder tudo. Afinal, a precisão necessária para vir de volta para o futuro somente é comparável com o detalhamento coeso do roteiro e direção de Zemeckis. Eu ouvi um raio?
Extremamente complexa, a continuação chegaria aos cinemas quatro anos depois. Partindo do exato ponto de término de seu predecessor, o longa dessa vez nos leva rumo ao futuro para salvar o passado que na verdade é o presente do protagonista. Confuso? O diretor faz questão de explicar – sem se tornar demasiado expositivo – cada detalhe dessa nova jornada. A versão futurística é imaginativa e competente, não permitindo deixar-se datada apesar dos anos vindouros. Cenas memoráveis trazem para a sequência ainda mais elementos de aventura, como a incomparável perseguição pelas décadas e as intensas reviravoltas proporcionadas por um roteiro amplo e preciso.
O que faltava para a trilogia se tornar ainda mais memorável? No último ato da trilogia, o diretor une elementos do faroeste clássico aos da ficção científica para amarrar todas as pontas soltas deixadas por seu predecessor. Menos complexo mas igualmente genial, o enredo leva o público em uma viagem pelos séculos rumo ao Velho Oeste norte-americano. A técnica indubitável de Zemeckis, torna o primeiro longa vivo novamente, com cenas semelhantes e enredo similar mas cada qual com suas próprias singularidades. O final gratificante é o ideal para uma trilogia memorável: emocionante e conclusivo, a história termina sem espaços para acréscimos futuros. A viagem no tempo até esse filme trintenário repleto de nostalgia, vai fazer você, assim como eu, desejar não vir de volta para o futuro. Cada vez mais estou certo que nasci na década errada. Alguém viu meu DeLorean?
Volto-me aos números. Estamos próximos do resultado final não é mesmo? Fiz algumas somas aqui rapidamente e a verdade é que já me perdi nas contas. Não faço ideia de quantas vezes já vi e revi esses nove filmes. A única certeza é que deu vontade de ver tudo novamente, com ou sem ordem específica. Ou isso merece uma lista? Lá vamos nós novamente…
Briann Ziarescki