Insurgências afetivas: novas texturas para a existência
Nos momentos em que me debruço sobre a escritura dos pensamentos que compartilho aqui, não venho com intenções de um quase jornalismo cultural ou uma quase crítica de arte ou uma quase análise de conjuntura ou uma quase filosofia. São processos de uma percepção menor que atravessam nossos devires, nossa poiética, sugestões ou pistas de pequenas máquinas de guerra, cartografias de texturas éticas, estéticas e políticas possíveis.
São modos de produzir visibilidade sobre o que pode acontecer na emergência dos encontros no contexto da arte: quando há contágio entre os corpos, nas fissuras abertas nesse atravessamento, abre-se a possibilidade da produção de uma nova suavidade.
Insisto na potência da arte enquanto dispositivo de produção de vida. Isso tem a ver com propor a experimentação dos sabores e saberes do acontecimento e permitir a passagem de um devir-artista da humanidade que habita em nós. Essa humanidade que é inventada e que, justamente por isso, pode ser recriada sempre, que pode ser afirmada na ternura dos bons encontros e a arte se apresenta aqui como um possível, uma potência de acontecer e atualizar essas forças criadoras.
É certo que somos atravessados por afetos disparados como flechas e nem sempre encontramos linhas de expressão no verbo, nos dizeres, na palavra, ou em gramáticas mais ortodoxas. Por isso temos a possibilidade de explorar a linguagem que habita nos sons, nas cores, nos gestos, nas imagens, nos sabores, nos movimentos, no corpo.
Criançar: Experimentar um devir-criança, criar mundos, territórios afetivos insurgentes onde possamos ensaiar a invenção da invenção, a sempre singular e encantadora potência de criar e habitar mundos heterogêneos, povoados de estranhezas legítimas e fluxos de vida.
Gandhi já nos dizia que a arte da vida consiste em fazer da vida uma obra de arte. Mas, pra isso, é preciso um tanto de coragem, no sentido de um “agir com o coração”, afetando e deixando-se afetar nas intensidades de uma dança improvisada, sempre inédita, como um pisar descalço no mundo ou rolar na grama às gargalhadas, como quando, diria Vinícius, a natureza transforma a vida em canção.
Tenho apreço em encerrar citando alguém que me atravessa com intensidades amorosas. Hoje me enlaço nas palavras de Manoel de Barros e lhes digo: “Perdoai, mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas”.
Manolo Kottwitz
Professor, artista-pesquisador, Mestre em Psicologia Social e Cultura