“A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”. Assim inicio, fazendo minhas as palavras do nosso querido poetinha. Não são raras as receitas, protocolos e até mesmo extensos livros, cheios de palavrórios e falácias, que nos enfiam goela abaixo suas verdades sobre as artes de se viver bem. Aqui vai a verdade: não tem receita.
Para cultivar a arte dos bons encontros é preciso disposição para lidar com as intempestividades do mundo. Afinal, os encontros são fortuitos e neles habita toda a inocência do acaso. Como não dispomos de um protocolo, é necessário desenvolver um acervo de estratégias sensíveis pra lidar com tudo isso e aí eu nos coloco uma (ou várias) provocação: o que eu faço com aquilo que me acontece? Qual uso faço dos afetos que me atravessam e qual uso faço dos afetos que produzo? Ou seja, como percebo e recebo e como devolvo ao mundo as intensidades que elaboro diante daquilo que a vida me oferece nos encontros?
Uma possível resposta (sempre provisória, não esqueçamos) é aprender a medir as distâncias entre os corpos. O problema começa quando essa frase continua: só identificamos as distâncias quando experimentamos o próprio acontecimento. Não se trata, contudo, de uma medida numérica, quantitativa e estratificada, mas sim de uma medida afetivo-qualitativa. Não há uma régua para medir a distância entre aquilo que me potencializa, me traz vitalidade, e aquilo que me decompõe: não há graus, apenas processo.
Sou um espinosista e falo, sempre que posso, sobre os tais encontros. Mas o que é, necessariamente, um encontro? Claro que podemos ir para as respostas óbvias e imediatas: um encontro é quando dois ou mais corpos estreitam as distâncias físicas até quase a nulidade desta. Mas podemos ir mais longe. Henri Bergson faz uma contribuição incrível ao espinosismo quando diz “meu corpo vai até as estrelas”. Aqui não se trata mais de um encontro no sentido leviano do termo, mas sim de toda uma trama complexa de percepções que tenho dos corpos que habitam meu entorno (mesmo no plano virtual), dos quais meu corpo é uma resposta provisória, um centro de ação que responde expressivamente àquilo que lhe acontece.
Meu corpo vai até às estrelas, pois percebo as ondas luminosas que chegam até mim desde sua fonte já extinta. Há uma distância quase imensurável aqui, mas ainda assim meu corpo é atravessado pelos afetos estrelares que viajam o espaço até mim. Falando ainda nos astros: sol demais me queima, decompõe meus tecidos, assim como frio demais enrijece meus músculos, constrange meus movimentos e minha potência de existir também entra em declínio.
Diferente de um choque agressivo, como quando quebro meu braço e sei exatamente aonde e o quanto sinto, no uso dos afetos que fazemos nos encontros não dá pra saber o quanto sentimos. Apenas sentimos: intensidades, fluxos que ora nos rasgam, nos decompõe, ora nos abraçam e nos deixam mais vivos. Primeiro o afecto, o sentir, depois o pensamento e a elaboração do sentido. Primeiro, etológico, depois, subjetivo.
E assim vamos aprendendo a lidar com os acontecimentos, afinando a nossa vibratilidade, identificando pouco a pouco, como uma parabólica, os vetores que direcionam os afetos bons e os ruins. Mas existem pequenas estratégias que podemos ir construindo com as experiências: a conquista dos prazeres difíceis, como praticar yoga ou desenvolver habilidades em um instrumento musical, até mesmo encontrar uma fonte de saúde nas literaturas mais intensas ou em exercícios físicos como correr, nadar, entre outras coisas. Exige esforço, não é fácil e muita gente estaciona no meio do caminho.
Porém, cada um cria suas próprias regras, são facultativas e não protocolares. Quando aprendemos a identificar os vetores que nos direcionam ao ganho de potência, nos fazendo perseverar na existência na busca de mais vitalidade, penso que estamos na melhor direção. Mas, é claro, os desencontros nos acometem vez ou outra e aqui também é preciso criar estratégias de sobrevivência desejante: fazer bom uso dos maus encontros. Relembrando a pergunta de Espinosa, o que pode meu corpo nos encontros com o mundo? E aqui, definitivamente não há respostas conclusivas: precisamos experimentar os acontecimentos da vida. Vários filósofos vão dar nomes bonitos pra isso, mas não importa.
Hoje encerro, mais uma vez, com Nietsche: “Se te apetece esforçar, esforça-te; se te apetece repousar, repousa; se te apetece fugir, fuja; se te apetece resistir, resista; mas saiba bem o que te apetece, e não recue ante nenhum pretexto, porque o universo se organizará para te dissuadir”, assim falou Zaratustra.
Manolo Kottwitz
Professor, artista-pesquisador, Mestre em Psicologia Social e Cultura