Criamos e vivemos uma ditadura do agrado. O professor quer agradar, os pais querem agradar, o médico quer agradar, o vendedor, o chefe, o padre, até mesmo Deus quer agradar. Nos tornamos reféns da necessidade de afeto dos outros e isso tem atrapalhado demais as relações. As funções que os papéis sociais e políticos demandam ficam ameaçadas quando os sujeitos envolvidos sobrepõem a necessidade de amor, agrado e admiração ao que precisa ser feito. E o que acontece então? Queremos tornar todas as nossas relações horizontais de forma que possamos ser amiguinhos. Amiguinhos do chefe ou funcionário, amiguinho do professor ou do estudante, amiguinho dos pais ou dos filhos. Parece que a necessidade de agradar emerge de um pânico por estar ou sentir-se em uma posição inferior. Como se a vida possibilitasse que todos, em todas as relações, pudessem colocar-se de igual para igual. Fetiche patético.
Pensando meu papel profissional chego à conclusão de que é impossível ser psicólogo se a pretensão for sempre agradar o cliente e paciente. Assevero ainda, é um desafio tremendo ter a coragem de não dizer somente o que o outro deseja ouvir, especialmente quando ele paga o seu salário. Mas, é preciso aceitar com destemor a ideia de não agradar sempre, de não ser sempre amado e admirado. Caso contrário, aquilo sobre o que pautamos a nossa identidade será frágil e customizável ao outro. Nesses casos, o Eu vai desaparecendo. O prazer de ser e tornar-se quem se é deve ser maior do que o desejo de agradar Deus e o mundo. Apenas uma massa extremamente manipulável – capaz de se adaptar ao gosto de quem a toda – é que seria capaz de agradar a todos. É isso que desejamos ser? Eu não.
Além disso, se importar muito em agradar fará com que nos importemos demasiadamente com a opinião alheia. E, consequentemente, quando nos importamos grandemente com o que dizem de nós, atribuímos valor a juízos que podem ser equivocados ou que podem conter uma carga de pré-julgamentos. Como em um looping uma questão coaduna a outra e escancara nosso próprio potencial para julgar os demais. Bem e mal, certo e errado, verdade e mentira, são questões complexas demais para serem relegadas a uma questão opinião. Crer demais na benevolência e veracidade do que se diz ou pensa é um perigo e tanto.
A sensação é de que não haverá sobrevivência sem agradar incessantemente aos outros. As redes sociais escancaram de forma brutal essa escravidão por agradar, por ser apreciado, reconhecido e admirado, de tal forma que vamos nos transmutando em miseráveis afetivos que aceitam se submeter a absurdos em troca de likes. Likes que se tornaram uma forma de expressão de amor. Forma de amor que pretere outras que já conhecemos um dia. Quando isso é amor e quando é essa a forma que sabemos e queremos nos relacionar, me parece inevitável que a depressão se firme como mal do século, afinal o vazio é gritante.
Então, sugiro corajosamente: “Torna-te quem tu és” (Nietzsche).
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
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