UÉ, mas não havia expectativa da pandemia nos humanizar?
Há algumas semanas quando escrevi sobre a pouca força que a linguagem tem sobre a realidade, algumas pessoas, evidentemente no seu direito, contestaram. Eu quis afirmar, e quero agora reforçar, que talvez o dito realmente não seja capaz de transformar a vida como ela é. Até mesmo a realidade, inevitavelmente se impondo como se impõe, transforma pouco o nosso âmago se não houver uma disposição séria de apropriação de si e uma intencionalidade para a mudança.
Apesar da nossa gritante capacidade de esquecer o vivido, ou de fazer uso inconveniente da história, todos devem recordar-se do início da pandemia, quando o cenário começou a tomar proporções mundiais e as mortes aumentaram escalonadamente. A comoção foi geral, brotou em muitos de nós um sentimento de solidariedade, generosidade e a tal da empatia, como não somos capazes de fazer em outras situações que não as desgraças. Existe em nós certa sedução pelo sofrimento alheio, enquanto ainda podemos estender a mão, o maior sinal que volta para mim é de que ainda não sou eu a sofrer, e nossa, que alívio.
Falou-se até da recuperação da natureza em razão da ausência do homem, da possibilidade de uma convivência mais harmoniosa e regida pelo respeito, solidariedade e preservação; O que temos vivido nos últimos meses? O mundo todo se sensibilizou e choramos diariamente pelas mais variadas histórias que passamos a acompanhar. Inclusive as recomendações sanitárias iniciais foram respeitadas e levadas à sério. E uma séria expectativa de esperança na humanidade foi florescendo e desabrochando. Mas a sensação que permanece em mim é de que murchou bastante rápido.
Existe em nós uma condição beligerante, é disto inclusive que trata a nossa vida, uma luta constante de forças que se hierarquizam, hora dominantes, hora dominadas. Agora, o que realmente parece danoso é a necessidade infantil de polarizar tudo, como se a vida coubesse em dualismos como o certo-errado, bom-ruim, bem-mal, saúde-doença, belo-feio, direita-esquerda. Quando, no final das contas, vivemos por gradações e nuances, mais saudável, menos saudável, mais doente, menos doente, um não exclui o outro.
Enfim, foi só chegar o período eleitoral para que voltássemos a nos portar como cães e gatos, adjetivar os adversários como ruins, maus e equivocados. Hoje, inúmeros gozam mais a derrota do adversário do que a própria vitória, aquela necessidade narcísica de sentir-se superior e festejar o fracasso alheio, bastante humano, não é mesmo? Malgrado, tudo decorre à ‘normalidade’, o tal do Óbvio Ululante de Nelson Rodrigues.
P.S: sempre indisponível para os chorões que contestam como uma questão de doxa, e sempre à disposição para diálogo na busca da episteme.
Caloroso cumprimento e até semana que vem!
Psicóloga CRP 12/15087
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