Marcou-me a avaliação de uma cliente do consultório, que chegou dizendo-se interessada em psicologia e psicanálise e com o seguinte discurso: “Pelo que eu já estudei e li, em fontes seguras como artigos, eu tenho ansiedade, depressão e algumas características borderline […]” etc. A afirmativa me suscitou as reflexões que seguem. Quando a pessoa chega até mim e se apresenta por intermédio de diagnósticos, eu me questiono: haverá o que eu possa fazer? Minha conduta é, inevitavelmente, relativizar os diagnósticos e questionar a necessidade de tê-los. E por que fazê-lo? Porque não há espaço para intervenções transformadoras onde existem certezas, e porque, na grande maioria das vezes, trata-se de uma evasiva moral que tem a pretensão de eximir o sujeito da responsabilidade por sua vida, por seus atos e isentá-lo de julgamentos.
Não raro, esses discursos evasivos vêm de pessoas que estão há anos pipocando de terapeuta para terapeuta, para analistas e para psiquiatras, sem jamais alcançar uma melhora significativa. As justificativas diagnósticas são das mais confortáveis, pois se tornam aspectos identitários – “Ah, sempre fui assim e assim serei, pois é característico de pessoas depressivas” – exceptuando o fato de que é muito feio questionar uma psicopatologia hoje em dia, especialmente a considerar a luta para equiparar os adoecimentos psíquicos aos físicos. Isto torna um sofredor uma vítima intocável e, consequentemente, todos os terapeutas incapazes.
Evidentemente, não é recente o desejo, ou a necessidade, de se eximir da responsabilidade pela própria vida. Só é mais atual a evasiva diagnóstica e farmacológica, mas Shakespeare, em 1603, na tragédia Rei Lear, anunciava, por intermédio da personagem Edmundo:
Eis a estupidez do mundo; quando nossa fortuna está abalada – muitas vezes pelos excessos de nossos próprios atos – culpamos o Sol, a Lua e as estrelas por nossos desastres; como se fossemos canalhas por necessidade, idiotas por influência celeste; escroques, ladrões e traidores por comando do zodíaco; bêbados, mentirosos e adúlteros por forçada obediência à determinação dos planetas;
Culpamos as estrelas, os neurotransmissores, os fármacos ou o que for para não nos responsabilizarmos por nossos atos, nossa vida ou pelo que nela acontece. A figura a seguir anuncia o que nos aguarda, ou o que já vivemos.
Seja como for, de acordo com Dalrymple, é preciso que recordemos um pouco mais de Pascal, quando o filósofo afirma que: “O homem é um caniço pensante”, algo frágil e bastante maleável, porém consciente e autodirigido. Portanto, é e será sempre um erro considerar a prevalência de uma patologia psicológica sobre a responsabilidade que cada um deve ter e assumir sobre sua vida. Ou acabaremos por nos tornar escravos fatalistas das perturbações possíveis de se viver, como se elas fossem naturalizáveis.
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
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