Eu não queria sofrer por isso! Essa é uma das frases mais frequentes na clínica e dá indícios há um desejo, que vêm em forma de fenômeno, pela vida em ataraxia. Aliás, ataraxia talvez não seja a melhor palavra para descrever essa expectativa de sentir menos, de eliminar emoções; já que, sobretudo, o desejo é de eliminar emoções negativas e de sentir menos o negativo. Em suma, há uma esperança de evoluir para não sofrer. Totalmente cega e imatura.
Apesar de, “Eu não quero sofrer por isso”, ser um dos dizeres mais comuns, não há escolha possível sobre o sentir – talvez, seja possível modificar a forma como nos sentimos em relação há algumas vivências, no entanto, isso exige alguma temporalidade e mudança na narrativa do que se viveu – dores são inevitáveis e, inclusive, indispensáveis.
Julieta Capuleto sofreu por se apaixonar por Romeu Montecchio, as famílias eram inimigas e, consequentemente, o amor, proibido. Hoje, na era do amor livre, sofremos pela superficialidade dos vínculos e consideramos absurdo morrer por alguém amado. De toda forma, não alcançamos a tão desejada paz de espírito que é objetivo da humanidade através dos séculos.
Sofreu-se desde sempre e sofreremos para sempre, não há saída para o inexorável. Mas, é notável a transformação na forma do sofrimento que, em outros tempos, dava-se em detrimento de questões relacionadas ao enorme custo físico de sobreviver e existir. Atualmente, as demandas de sofrimento que são cotidianas no consultório, transitam pela dificuldade de ter e assumir responsabilidades, olhar para o mundo e responder a ele de forma madura e não tão mimada, cultivar vínculos e, sobretudo, encontrar formas mais flexíveis de ser e viver.
A questão da flexibilidade coaduna ao discurso da tolerância, ambos são um desafio para a quantidade de controladores ensimesmados com que tenho me deparado. A tolerância, de que tanto se fala, ainda não é capaz de ultrapassar os discursos cheios de exclusões dos pregadores da igualdade. E então, o que resta? Sofrer! Sofrer inclusive e justamente por aquilo que está na realidade, fora do eu. Talvez, na pretensão de atribuir a própria infelicidade ou incapacidade de olhar para o próprio umbigo, ao outro, ao mundo, a Deus.
Por fim, considero necessário repetir o óbvio, a realidade não se deixa controlar, o outro não mudará se não houver, da parte dele, um íntimo e profundo interesse, somado a um importante desconforto, que seja capaz de provocar para isso. Inevitavelmente, essas últimas linhas me remetem a Fernando Pessoa, quando o poeta escreve que: “Quando vier a primavera, se eu já estiver morto, as flores florirão da mesma maneira, e as arvores não serão mais verdes que na primavera passada, a realidade não precisa de mim […] e gosto porque assim seria mesmo que eu não gostasse”.
Sofrer não é padecer! E nem precisa ser. No fim, essa cisma por não sofrer por nada é o que mais acaba lotando consultórios e cestinhas de remédio em cima da geladeira.
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
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