Especialmente nesta semana foi custoso encontrar o desejo e a inspiração para escrever. Escrever é, para mim, um exercício que exige certa tranquilidade e organização do ambiente. Não tenho podido contar com isso nos dias passados, muitas mudanças estão em vista e elas me desconectam do real. Aliás, é sempre válido ressaltar que estar aéreo e ansioso é absolutamente natural, sobretudo a considerar a hostilidade do território por transpor.
Em uma tentativa de firmamento, revisitei textos que outrora me comoveram. A aproximação se deu com Fernando Pessoa, volume 1 do box: Fernando Pessoa percurso em prosa – O poeta para além da sua poesia. Na página 83, encontrei uma crônica que eu havia marcado com um asterisco, intitulada: Do contraditório como terapêutica de libertação. É interessante como hora parecemos nos deparar exatamente com aquilo que nos é devido para o momento vivido.
“Se há fato estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentada sobre a mesma opinião”. Assim Pessoa inicia o segundo parágrafo. Tendo lido só umas oito linhas, já senti um acolhimento. O momento demanda que eu tenha, que todos tenhamos, a capacidade de abandonar certezas e coerências, afim de ‘ir além’. Demanda sobretudo a capacidade de encarar corajosamente as mudanças de opinião que se dão em nós. Afinal, se absolutamente tudo está em constante transformação, inclusive nosso corpo, nossa inteligência, é doentio e anormal cravar-se na convicção e na permanência. É sempre salutar mudar e desconfiar de si.
Ser invariável e profundamente convicto é superficial e tedioso – em pouco tempo a possibilidade de conversa se encerra – configura até certa falta de educação para com aqueles que convivemos, que acabam apoquentados por nossa falta de variedade. E o poeta segue: “Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de mudar de opinião e de certeza várias vezes no mesmo dia”.
Creio que, há dias, estava em busca de acolhimento para as variações e oscilações da vida. Não é atoa que a filosofia nietzschiana sempre me foi cara. Frase célebre de Nietzsche é: “Eu jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza alguma. Porém, eu iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes eu quisesse”. Me consola ver e saber que mudar é preciso, mesmo ante a incerteza daquilo que está ali adiante e já segura de que nem o depois permanecerá.
Hoje, perdoem a carência de linhas. Gabriel tenta manter meu moral contando que até Vinícius de Moraes tem crônica sobre a dificuldade de escrever crônicas. Mas é fato último o título da crônica do Pessoa, perceber-se contraditório é um exercício terapêutico de liberdade.
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
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