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Coluna | Era Sol que me faltava | E quando morre alguém que amamos? Uma tristeza que desconhece fronteiras

A morte, parece, tornou-se algo banal. A morte é publicada no Facebook e ali os enlutados recebem centenas de condolências. No dia seguinte, de imediato, deve começar a superação da perda e a retomada da vida “normal”. Parece não haver espaço e tempo para sofrer a dor de perder, muito menos autorização para tal, caso o enlutado mergulhe na tristeza, logo se verá rodeado de insensíveis insistindo para “levantar a cabeça”, para ser forte, para seguir a vida, caso contrário, a dor poderá se transmutar em uma depressão. O delírio do bem-estar desautoriza a sofrer e quer medicar até o luto.

O tema da morte e do luto surgiu depois de uma semana de desafiadores atendimentos clínicos, carregados de dores por perdas. Me fez concluir que, diante da dor de alguém em razão da perda de um amado, a postura mais adequada é reverenciar. É preciso ter muito respeito pelo desespero de quem perde e não cabe a ninguém, nem alguém que também já tenha enfrentado perdas, ensinar o outro a superar. Talvez, um bom “remédio” para a dor seja o cansaço da própria dor, senti-la a exaustão, para que depois se possa começar a abandoná-la.

Santo Agostinho, nas Confissões, escrevendo sobre a morte do seu melhor amigo – em épocas que a amizade tinha um sentido diverso do atual – afirmou: “Parecia-me estranho que a vida continuasse para os outros mortais, já que estava morta a pessoa que eu tinha amado como se ela não devesse morrer nunca. […] Eu tinha de fato a sensação de que nossas duas almas fossem uma em dois corpos, e por isso eu detestava a vida, pois não queria viver partido ao meio, a temia a morte, talvez por não querer que morresse inteiramente aquele que tanto amara”.

A descrição que Santo Agostinho faz do seu sentimento aponta para o processamento do luto. Perder alguém é sentir uma ruptura, uma quebra, um rasgo, é uma fragmentação que faz perder a noção de quem se é, porque o outro era comigo, era parte de mim, complementava algo em mim e quando morre, provoca desencontro, desconexão, vazios. Como haveria de ser possível viver a morte sem sofrê-la? Quando for possível aceitar a perda, também será possível perceber e identificar o que do outro desejamos levar conosco, para nossa vida.

Em geral, quando perdemos, para que algo do outro permaneça, sem perceber, começamos a fazer algo que o amado fazia, ou então, algo que ele desejava que eu fizesse mesmo que não correspondesse a minha vontade – isso também ocorre em outros fins, de relacionamentos, por exemplo. Trata de um desejo de presentificar o que partiu. Recordo da perda mais marcante que já vivi, meu padrinho, por quem eu nutria um amor de segundo pai. Quando ele partiu, por meses eu quis cultivar plantas, flores, temperos, hortas. Era a marca dele, todos o reconheciam pelo gosto em plantar. Quando aloquei um novo espaço para ele dentro de mim, deixei de cuidar das plantas.

A morte é um horizonte para todos nós, manter essa ideia próximo a consciência pode estimular a viver. Todo ser humano saudável já cogitou a sua, já temeu a sua ou a de alguém amado, não há nada de patológico nisso. Além disso, perder dói e precisa doer. É como Nietzsche descreveu a perda de seu irmão: “Nossa tristeza não conheceu limites”. A “cura” para grandes tristezas não é simples ou fácil.

Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
E-mail: psicologasolangekappes@gmail.com
Redes sociais:www.facebook.com/solange.kappes | Instagram: @solangekappes


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