Das Tarântulas da convivência!
No percurso da semana que passou, tanto em psicoterapia, quanto na conversa de corredor com colegas de trabalho, ou ainda, no calor dos debates familiares, diversas foram as ocasiões em que o assunto foi a necessidade de alguns em asseverar-se boas pessoas. Especialmente quando isto vem acompanhado de um discurso forte sobre justiça, igualdade e bem comum. É sempre mais salutar e seguro desconfiar de si do que confiar em demasia. A crença rígida de que somos bons, buscamos justiça, desejamos igualdade, faz de nós os mais perfeitos intolerantes, na medida em que nos fortalecemos neste discurso e, assim, desautorizamos os demais a agir ou pensar de outra forma.
Em Assim Falava Zaratustra, Nietzsche oferece para reflexão, uma parábola intitulada Das Tarântulas. Tarântulas, aranhas peçonhentas que não tardam a intimidar e atacar caso suas teias sejam tocadas. O filósofo alterca que, os homens carregados de senso de justiça, igualdade e que afirmam-se “pessoas de bem”, não passam de tarântulas, dispostas à injetar seu veneno no mais leve tocar de sua teia.
Estranho até agora, certo? afinal, tendemos a querer nos reconhecer como boas pessoas, querer o bem do próximo, afirmar que lutamos pela igualdade, etc. No entanto, o âmago das tarântulas fraternas demais é carregado de um sórdido desejo de vingança, transvestido de justiça. Acompanhado de vaidade amarga, inveja contida, ciúme, tudo isso disfarçado de virtude clemente. Afinal, não é também nos discursos dos extremamente justos que encontramos a afirmação da necessidade de castigar os injustos, os incorretos, os pecadores?
Evidente que, este veneno é um veneno oculto, talvez até despercebido por parte de algumas tarântulas, já que aquilo que querem mostrar e afirmar é uma preocupação com o próximo. No entanto, o desejo de lutar por uma igualdade oculta uma possível impotência de elevar a si próprio. Há aqueles que bradam discursos extremamente inspirados e assim ocultam sua frieza na sutileza. Também, estão sempre dispostos à fazer muito, à ir longe demais, tanto que percebem-se constantemente cansados. Esse agir é motivado pelo ciúme que sentem de outras tarântulas. Elogiam muito e lamentam muito, assim, ocultam o prazer e a felicidade de sentirem-se juízes do bem e mal, bom o mau. Condenam e queimam em nome do bem, se preciso for.
Talvez seja chegada à hora de reconhecermos que não há igualdade, especialmente quando falamos de nós. Inclusive, tê-la como horizonte é enfraquecer os caminhos, pontes e possibilidades que se fazem na diferença. A capacidade belicosa dentro de cada um de nós se faz na desigualdade, na diferença, e só assim um movimento em direção à degraus de crescimento é possível. A vida como ela é, existe para que sejamos capazes de superá-la, à superamos na medida em que superamos a nós mesmos, e isto só é possível na contradição, na desordem, no desconforto, no reconhecimento da desigualdade e da diferença, despido da pretensão de ser bom, estar certo, ser justo ou igualitário. Até a beleza está no diverso.
Caloroso cumprimento e até semana que vem!
Psicóloga CRP 12/15087
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