“Terapia é o ato de cuidar da criança machucada que cada um carrega dentro de si mesmo” Zerka Moreno.
“Se a boca cala, falam as pontas dos dedos” Sigmund Freud.
“Há mais razão no teu corpo do que em tua melhor sabedoria” Friedich Nietzsche.
Nosso corpo, o “lugar” deste furacão de fluxos, sensações, sentimentos, emoções e razões, do qual temos tanto medo. Estamos amedrontados diante de tudo aquilo que pode se passar dentro de nós. Sobretudo tememos a intensidade dos nossos afetos, as variações de humor, a angústia, o sofrimento e a dor. Todos são comunicações absolutamente naturais e indispensáveis do nosso corpo pois, é justamente experimentá-los que nos põe diante daquilo que barra, atravanca e cerca nossa vida, e por essa razão, nos força a rompimentos que temos medo de encarar. Justamente por isso Nietzsche afirma que o corpo é uma grande razão, nós não o habitamos, nós o somos. Pena que desaprendemos a ouvi-lo, a autorizar e respaldar suas sensações, desaprendemos a dançar a vida.
Somos inteiramente corpo! Como viver o instante, o desafio, a sensação? Como pulsar, vibrar, existir? Tudo isso são singularidades que fazem de cada vida um acontecimento inédito. No entanto, nos afastamos do corpo, não falamos mais sua língua, não sabemos identificar o que nos sacia, não sabemos reconhecer aquilo que faz doer para que possamos pensar sobre, e nem sabemos o que nos dá prazer, para pensar sobre. Tudo isso em detrimento de uma racionalidade que, de modo nenhum, consegue nos conduzir a felicidade que um dia nos venderam.
Mas, como há mais razão no corpo que na sabedoria, mesmo quando a boca cala, as pontas dos dedos nos revelam. Nesta semana de atendimentos, em razão do dia das crianças, direcionei alguns de meus pacientes a pensarem sobre a criança que foram. Criança que ainda somos, que ainda está em cada um de nós. No exercício de rememorar, o corpo é o maior aliado, ele é o caminho para a reexperimentação das emoções já vividas. Foi incrível observar os trejeitos mudando, vozes afinando, posturas encolhendo, olhares brilhando, gestos infantilizando e lágrimas, muitas lágrimas.
Convidar o paciente para este retorno a um ‘Si mesmo’, tempos em que o corpo era mais sentido, fez emergirem tombos de bicicleta, brincadeiras na lama, de casinha, de escolinha, balanços, banhos de chuva. Mas, sobretudo trouxe a sensação de que é possível fazer certo resgate de si, um resgate alegre, divertido, criativo, tranquilo, inocente e livre, que serviu de aconselhamento para o adulto atual. Neste sentido é que Zerka Moreno foi precisa ao afirmar que a terapia é o ato de cuidar da criança machucada que cada um carrega dentro de si. E para além de cuidar das feridas infantis, é possível trazer para o adulto atual um sentimento de vitalidade do qual tendemos a nos afastar.
Finalmente, tornar a encontrar e experimentar a criança que fomos pode nos trazer um pouco de chão, de corporeidade e vitalidade diante de uma realidade que parece querer nos anular, e de uma vida adulta que carece de graça.
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
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