Os tempos modernos, demarcados pelo avanço tecnológico, mídias sociais e forma organizativa da sociedade de mercado, provocaram alguns fenômenos interessantíssimos. Narcisismo crescente, customização do mundo ao indivíduo, imaturidade prolongada, terceirização dos segmentos da vida, ansiedade do berço à velhice, entre outros. Esses fenômenos têm uma dimensão sociológica, mas são mais facilmente compreendidos se observados na forma do comportamento individual, e hoje o espaço é para a denominada Síndrome de Deus.
A Síndrome de Deus se revela quando um ‘ser humaninho’ se acredita superior aos demais, detentor da verdade e daquilo que é bom, justo ou correto, não admite seus erros, crê veementemente que todos devem se dobrar à sua vontade e satisfazer os seus desejos. Aquele para quem leis, normas ou regras não se aplicam, já que deseja ser tratado com singularidade. Usualmente, dizemos que alguém assim “tem o rei na barriga”.
Existe uma categorização psicopatológica para a Síndrome de Deus, classificada em psicanálise na ordem dos perfis de personalidade perversa. Mas, pelo amor de Deus, não corram para diagnosticar Deus e o mundo, na intenção de justificar comportamentos arrogantes sob um álibi de doença. É como eu sugeri no início, a pretensão é observar características que se mostram como um fenômeno de ordem social.
De forma massiva, o mercado e o marketing têm utilizado a lógica da customização para nos vender absolutamente tudo. Tudo se adapta às “necessidades” da pessoa, desde os serviços de saúde, vestuário, alimentação, relacionamentos e até mesmo Deus. Deus passa a servir aos interesses das pessoas, e não o inverso. Cria-se a ilusão de que todos somos especiais, de que tudo pode ser moldado para mim. As redes sociais são a maior prova disso. Simplesmente, não é necessário entrar em contato com o diverso, pois ao menor sinal de ofensa ou desagrado, bloqueamos, excluímos ou cancelamos.
Assim, criamos os imbecis ambulantes, que acreditam que o mundo deve dobrar-se à satisfação das vontades individuais com o máximo de zelo para não ofender. Isso nos contamina tanto que, por exemplo, enquanto empregados, políticos, comerciantes, vendedores e servidores públicos, nos dobramos à vontade dos clientes e usuários, na obrigação de agradá-los sempre. Assim, criamos a segunda leva de imbecis, aqueles que não conseguem dizer não, que regulam tudo o que falam, como se sempre “pisassem em ovos”, para não ofender ninguém, e que investem esforços exacerbados para ceder às vontades e aos caprichos de alguns.
Nem sempre a resposta para nossas questões está dentro de nós. Esta é a participação da imaturidade no fenômeno da Síndrome de Deus. Só um perfeito idiota confia demais em si e acredita que sabe absolutamente tudo o que é melhor. Como estamos pautados em uma vida de satisfação hedônica, quem nos garante que nossos desejos são, de fato, as nossas necessidades? Isso sim é viver distante da realidade; afinal, não nascemos para ser agradados sempre, apesar de alguns pais agirem desse modo com seus filhos.
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
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