Antes os Perdidos aos Achados!
Certa manhã, ouvia uma entrevista do psicanalista Contardo Calligaris, e um dos questionamentos do entrevistador suscitou especial reflexão. Tratava-se da diferença entre ser jovem nos anos 1980 e ser jovem na atualidade, pontuando a fragilidade da juventude de hoje em dia, nos diversos sentidos, com ênfase na diminuição da plasticidade psicológica e o sentimento de estarem perdidos ante a existência. Mais interessante que a pergunta, foi a resposta do psicanalista que, aceitou e reconheceu as diferenças, mas afirmou-se mais preocupado com os “achados” do que com os “perdidos”.
Mais perigoso que sentir-se perdido, com dúvidas sobre si, sobre o futuro, ou quanto às próprias capacidades, é sentir-se confiante, evoluído, mais maduro que os demais e capaz de traçar seu futuro cheio de certezas. A juventude é o tempo da vida em que naturalmente deveríamos viver as dúvidas, as incertezas, os receios. Arriscar-se, experimentar e ir em busca de si. Uma vida conectada e elevada demais, ou então, com condutas morais rígidas, é uma vida enferma no fundamento.
O termo “achados”, trouxe à memória um breve texto que também li ao longo da semana, intitulado: Estudo liga pela primeira vez “jovens místicos” a grau de narcisismo elevado. Já escrevi, em outras ocasiões, sobre o narcisismo, mas vamos compreender melhor porque, afinal, os exemplos deste estudo são fantásticos. A notícia em questão tratava dos jovens que, por intermédio de uma elevação ou evolução espiritual, ligada a atividades como cura energética, meditação, leitura de aura, reiki, passam a desenvolver um sentimento de superioridade, considerando-se, em detrimento disto, mais merecedoras de reconhecimento, prestígio e respeito.
Colo aqui algumas respostas de participantes do estudo. Percebam como elas acabam conduzindo a conclusão do narcisismo:
“Estou mais em contato com meus sentidos do que a maioria das outras pessoas”. Chegar à uma conclusão dessas pressupõe um profundo conhecimento de si, dos outros e dos sentidos. Asseverar algo com tanta segurança, não apenas parece, mas é uma arrogância.
“Estou mais ciente do que está entre o céu e a terra do que a maioria das pessoas”. Olha só, ao que parece, nem para todos a vida é misteriosa.
“O mundo seria um lugar melhor se outros também tivessem a percepção de que Eu tenho agora”. Isto nega e afasta a pluralidade, ignora a potência que existe na diferença de ser e pensar, eu só consigo ver problema atrás de problema nestas afirmações. Mas calma, piora consideravelmente.
“Ajudo os outros sempre que possível em seu caminho para uma maior sabedoria e percepção”. Semana passada tratamos dessa necessidade de sentir-se benevolente, estas são as tarântulas da convivência, querem sugerir os caminhos para os demais, mas não suportam que toquemos suas teias.
“Também ajudo os outros a adquirir minhas ideias”. Parece que temos um ser de luz, a quem todos deveríamos seguir e copiar, assim, talvez, tenhamos chance com a felicidade.
“Sou paciente com os outros, porque entendo que leva tempo para ganhar as percepções que ganhei em minha vida e minha educação”. Nossa, quanta compreensão e aceitação dos outros.
“Posso enviar energia positiva para outras pessoas à distância”;
“Posso entrar em contato com pessoas que já faleceram”;
“Posso influenciar o mundo ao meu redor com meus pensamentos”. É, ao que parece, temos alguns filhos do universo, aparentados com as estrelas, que acreditam veementemente que, o mundo seria melhor se todos fossem capazes de uma mesma evolução. Estes são os mais evidentes contornos do narcisismo de indivíduos que consideram-se superiores, evoluídos, que direcionam todo seu amor e admiração a si próprios e disso obtêm prazer.
De fato, antes os “perdidos” aos “achados”.
Caloroso cumprimento e até semana que vem!
Psicóloga CRP 12/15087
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