A terceirização da vida!
Muito bem, olá! No texto desta semana, assim como no da semana anterior, denuncio mais um fenômeno “Pós-Moderno”, a Terceirização da existência, ou então, como também vem sendo nomeado, Uberização da vida. Na semana anterior tratamos sobre a liquidez dos vínculos. Aliás, se você não leu, não seja preguiçoso e vá ler, rsrs. Enfim o texto.
No nem tão distante século passado, as famílias eram predominantemente interioranas, tinham vários filhos e as crianças desde cedo cuidavam umas das outras e recebiam tarefas e responsabilidades na gestão do lar. Hortas eram cultivadas em casa e praticamente tudo que se consumia era produzido pela própria família, alimentos, bebidas e inclusive as vestimentas. Quando algo estragava, consertava-se, e mais de uma vez inclusive, até os cabelos eram cortados em casa e, pasmem, a maioria dos bebês nascia em domicílio. Recursos mais urbanos como o acesso aos serviços médicos, eram buscados em casos extremos.
Longe de qualquer saudosismo e sem a menor intenção de afirmar que “naquele tempo era melhor”, quis relembrar estes detalhes para que pudéssemos nos dar conta do quanto tudo mudou. Hoje estamos urbanizados, trabalhamos muito e geralmente com o que não gostamos, queixamos de cansaço constante e, praticamente não resta nada que façamos por nós mesmos ou pelas nossas famílias. Os filhos são cuidados na creche, escola ou pela tata. Compramos tudo que comemos, tudo que vestimos e substituímos tudo ao menor sinal de defeito ou só por estar ultrapassado, fora de moda.
O mundo do trabalho entra fortemente na “onda da terceirização”, já raramente encontrávamos trabalhos onde pudéssemos desempenhar uma tarefa do início ao final, usualmente ficando com apenas uma parte do processo. Agora então, cada fragmento de tarefa é serviço comprado. Isto preocupa, afinal, não é preciso ser tão inteligente para perceber que o trabalho é determinante de saúde de uma população.
Talvez haja mais tempo livre, mas não há espaço para o ócio ou o tédio, passamos horas imersos nas redes sociais, programas de tv, séries ou jogos. Qual o impacto disso tudo? O preço é que nos tornamos insustentáveis, fracos, incapazes de fazer qualquer coisa por nós mesmos e totalmente dependentes.
Unidades de saúde sempre cheias, consultórios médicos de todas as especialidades transbordando, especialmente aqueles que lidam com estética ou envelhecimento, há um certo desespero nesse sentido. Quer emagrecer? Nutricionista para dizer o que comer, que hora comer, e Psicólogo para ajudar a controlar a ansiedade. Precisa de atividade física? educador físico ou coach disso e coach daquilo. Imposto? Contador, limpeza? Empregada, comida? Ifood, transporte? Uber, amigos? Redes sociais; olha só, até os vínculos, o despertar dos afetos e as emoções estão intermediados ou terceirizados, o que resta de nós?
Muito à se pensar e é evidente que isto produz impacto sobre nossa vida como um todo. No sentido psicológico, isto resulta em uma enorme flacidez que chega em forma de queixas de vida amorfa, sentimento de vazio, de inutilidade, sofrimento injustificado, incapacidade de progredir, necessidade de sentir-se apoiado, aceito e estimulado para buscar a felicidade. Nos entregamos aos outros, aos cuidados de terceiros, buscando que nos digam o que devemos fazer, como devemos agir, como criar os filhos, como curar uma ferida, como preparar e tomar um chá, como fazer sexo, etc. etc. Nos tornamos ansiosos. Sim, o mal do século não é a depressão, é a ansiedade, e o fenômeno da terceirização à alimenta ininterruptamente.
Caloroso cumprimento e até semana que vem!
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
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