A tal da Incontinência Verborrágica e o saber ouvir.
Há algumas semanas, comecei a atentar-me mais aos títulos dos textos. Recordo da professora de português, nos tempos de escola, que afirmava: “Escolham um título interessante, é ele que vai convidar as pessoas a lerem o texto”. É claro, pensar sobre isso não foi atoa, deve-se ao artigo de uma colunista da Folha de São Paulo, a qual nunca havia me atentado. Mirian Goldenberg escreveu: “Por que os brasileiros sofrem tanto de incontinência verborrágica?”. Como, na atualidade, existe um esforço para a patologização de tudo, pensei: Vou ler! vamos ver que doença estão inventando agora. Não havia me dado conta, logo de cara, do que poderia tratar, quando descobri, a leitura tornou-se muito engraçada.
Incontinência verborrágica foi o nome escolhido para adjetivar aqueles que não calam a boca, que falam sem parar, com os quais nem consegue-se estabelecer um diálogo, porque imediatamente começam a falar de si. Partilhei da leitura em um grupo de amigas e nos divertimos ironizando para qual delas eu passaria a fornecer atestados de incontinência do verbo, na finalidade de tentar algum auxílio doença pelo INSS. Ironizamos, é evidente, ainda assim, a piada não deixa de ter contornos de realidade.
Mas enfim, a vontade era escrever algumas linhas sobre a dificuldade de ouvir. Quando já não sabemos ouvir, é evidente que não saberemos conversar, um pressupõe o outro. Não é difícil, nem raro, iniciarmos uma conversa que decorre de modo a cada um somente falar de si, sem interesse genuíno em ouvir a história do outro e conseguir envolver-se nela. Geralmente, as conversas são competições de feitos ou sofrimentos. Eu consegui tal coisa, comprei aquilo outro, meu filho isso, meu filho aquilo. Ou então: “estou doente, tomo dois remédios”, e o outro responde: “Ah, eu tomo três”.
Não é atoa que a psicoterapia começa a ter reconhecimento como lugar de acolhimento, escuta ativa e como um espaço em que realmente a pessoa sente-se ouvida. Se a onda de narcisismo e individualismo seguir crescendo e consumindo a maior parte dos sujeitos, talvez, em algum momento, só os psicólogos saberão ouvir.
Ouvir, pressupõe consciência, atenção, tempo, disponibilidade, paciência e uma série de outros esforços. Saber ouvir não significa não falar nada, mas portar-se de modo a oferecer gestos que autorizem a fala do outro e saber encontrar o momento e a forma de dizer algo, respaldando o outro. Respaldar a fala do outro não implica concordar. Se já é difícil conversar com quem concordamos, imagine ouvir aqueles de quem discordamos. Talvez seja toda essa dificuldade que gira em torno de escutar que faz com que alguns afirmem: Ouvir é uma arte!
A carência que caracteriza a grande maioria das pessoas faz com que queiramos muito ser ouvidos. Lembramos saudosos daqueles que sabem ouvir. Mas a grande dose de egoísmo, que também caracteriza a maioria das pessoas, faz com que queiramos ser ouvidos primeiro, depois, talvez, consideremos ouvir também. Atenção, não é elegante não saber ouvir, e é altamente irritante estar perto daqueles que sofrem de incontinência verborrágica.
Para pensar um pouco mais sobre o exercício da escuta, há um Podcast de Nova Acrópole, intitulado: Saber Ouvir. Sugiro que ouçam.
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
E-mail: psicologasolangekappes@gmail.com
Redes sociais:www.facebook.com/solange.kappes | Instagram: @solangekappes
A opinião de nossos colunistas não reflete necessariamente a visão do veículo.