A saúde como uma questão de política e poder
Saúde é um termo abstrato e, portanto, trata da suposição de um estado ideal para o corpo, a mente e o espírito. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua saúde como: um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social. Trata-se de uma definição melhorada, já que, em outros tempos, ter saúde significava tão somente não estar acometido de nenhuma doença/patologia.
Saúde e doença sempre serão termos complexos, jamais definíveis ou encaixáveis em conceitos imutáveis, assim como tudo que diz respeito aos homens. Mas, sempre há algumas direções. Demócrito (460 a.C), por exemplo, considerava que, por sermos sempre inéditos, a saúde trata-se de uma oscilação na disposição da energia de viver. Aristóteles (368 a.C), possivelmente, afirmaria que um sujeito saudável é aquele capaz de encontrar o seu ‘lugar’ no universo e cumprir com excelência a sua finalidade. No período renascentista, Montaigne (1533) considerou que ser saudável correspondia à capacidade de resistir ao adoecimento.
Gosto, especialmente, da compreensão de Nietzsche (1844), que pensava a saúde como uma constante capacidade de entregar e readquirir; como uma capacidade de resposta criativa às necessidades orgânicas e mentais. A percepção de saúde do filósofo estava, intrinsecamente, conectada à moral. Viver e agir de modo a fazer escolhas produtoras de saúde, conservando-se saudável no fundamento, no objetivo de ser capaz de abrir mão do conforto e do bem-estar para ir além de si.
Posto isso, quero retomar a provocação do título: saúde como uma questão de política e poder. Ao tentarmos, incansávelmente, definir saúde e doença, podemos deduzir que aqueles que dizem o que é estar saudável ou doente detém um grande poder. Ambos são tratados como troféus, pois, ao que parece, podem ser adquiridos. Quando pensamos que a doença é algo errado, algo anormal, algo apequenador, o “doente” é colocado em condição de ‘paciente’ (aquele que espera), à espera de um corretivo, uma “cura”. Percebam a lógica: o adoecimento enfraquece o sujeito, que é colocado em condição passiva e aguarda que alguém lhe ofereça ou venda o tratamento. Ao mesmo tempo, aqueles que afirmam e definem o que é saúde e doença são aqueles que nos vendem os tratamentos e as curas. Notaram a questão de política e poder?
Entregamos a nossa saúde completamente a terceiros e especialistas. Em alguma medida, isso produz um grande problema, pois nos tornamos muito dependentes e perdemos autonomia sobre nosso organismo. É fundamental que recuperemos a capacidade de ouvir e compreender nosso corpo, além de realizarmos esse mesmo movimento em relação à nossa mente e nosso emocional. Lembrem-se: nós sempre saberemos, demasiadamente, melhor o que se passa conosco do que alguém que encontramos em um consultório e que nos ouve por 5 minutos. Afinal, ninguém convive mais conosco do que nós próprios.
É possível que estas palavras distoem daquilo que esperavam. Elas não são absolutas, trata-se de provocações. Os extremos de pensamento não servem; é preciso pensar em nuances. É fato que a medicina (futura engenharia da saúde) é indispensável e incontestavelmente confiável em detrimento de outras práticas não científicas ou comportamentos negacionistas de alguns, mas também é fato que entregamos toda autonomia sobre nossa saúde e que estamos cada vez mais incapazes de cuidar-nos.
Caloroso cumprimento e até semana que vem!
Psicóloga CRP 12/15087
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