A arte está implicada e explicada no espírito de um povo. Através dela, sujeitos e comunidades inteiras encontram vias para elaborar e escoar seus afetos, muitas vezes dolorosos e, outras tantas mais, alegres. Sem os artistas, é certo que as poderosas forças da tragédia mastigarão devagar os sonhos do mundo.
O filósofo dos encontros certa vez nos ofereceu o pensamento de que nossos corpos se definem pela capacidade de afetar e de ser afetados, pela sua vibratilidade e, mais, que estes corpos possuem uma força vital imanente que persevera na existência, um conatus.
Mas é preciso alimentar essa vitalidade, sob o risco de sucumbir ao aniquilamento da potência.
É certo que a indústria cultural, às bocadas, faz suas expropriações, desloca códigos culturais de modo perverso: vende, troca, estetiza o poder. Mas é preciso resistir um pouco mais. Os artistas, mais que a simplicidade estranguladora dos valores econômicos de mercado, tem a capacidade de produzir bons encontros e no bojo destes encontros habitam fluxos de vida.
Produzir vida, aqui, não tem a ver com a condição tecnológica das medicinas e seus pares. Produzir vida, aqui, tem a ver com a capacidade de acolher as dores do mundo no seu próprio corpo e fazer delas um trampolim para a existência, como fez o saudoso Aldir Blanc, que ajudou parte de uma nação a elaborar o luto gerado pelas dores de duas décadas de ditadura militar no Brasil.
Assim como fizeram e ainda fazem tantos outros que, através da sua arte, nos ajudam a compreender e dimensionar a grandeza de uma vida.
Com ajuda da arte, esta balbúrdia conduzida por vagabundos (como se referem alguns), conseguimos criar condições para aumentar nossa capacidade de perseverar na existência e seguir adiante. Para não perder o costume e roubar algumas palavras de Nietzsche: sem a arte, a vida seria um erro.
Encerro agradecendo aos artistas, plurais e singulares: Lygias, Oiticicas, Jovelinas, Celsos, Fridas, Buarques, Caymmis e Tons. Obrigado à legião incontável e inominável que, com inexauríveis gotas de suor, nos ajudam a continuar existindo e insistindo na vida.
Referências:
ESPINOSA, Bento. Ética; trad. Tomaz Tadeu. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.
NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos ou como se filosofa com o martelo; trad. Renato Zwick. – Porto Alegre: L&PM: 2014
Manolo Kottwitz
Professor de Artes Cênicas/Mestre em Psicologia Social e Cultura