A Assembleia Legislativa deu início ao processo de impeachment que envolve o governador Carlos Moisés da Silva e a vice Daniela Reinehr. Dois especialistas abordam o caso, com pontos a favor e contra o procedimento, que virou alvo de batalha na Justiça e teve desdobramentos nos últimos dias.
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Confira a seguir, o que pontua cada um deles:
“É legítimo o direito de resistir e destituir? Sim”
Roberto Wöhlke, advogado, cientista político e professor da Univali
O processo de impeachment é previsto nas principais democracias contemporâneas para sanar crises institucionais entre o Legislativo e o Executivo. Por estarmos num sistema presidencialista, cujo mandatário é eleito diretamente pelo voto secreto, qualquer cidadão pode protocolar o pedido junto ao Legislativo desde que, com fundadas razões e provas.
Como instrumento legítimo, o impeachment catarinense necessariamente possui dois fundamentos. O primeiro, jurídico, é a denúncia por cometimento de crimes de responsabilidade no exercício da função executiva. O segundo é o político, pois a denúncia é oferecida aos parlamentares que atuam como representantes eleitos na defesa dos interesses dos catarinenses para deliberarem, por maioria, em três etapas: abertura, processamento e julgamento. Esta última, dividem com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC). Nestas três etapas do rito, ainda que o fundamento da acusação seja jurídico, a racionalidade é indubitavelmente política.
O fundamento jurídico é subscrito por um cidadão catarinense que, numa breve síntese, denuncia por crime de responsabilidade o governador por autorizar, e a vice por manter de forma “secreta”, a equiparação salarial dos procuradores do Estado com a dos procuradores da Assembleia Legislativa. Como ordenador principal de despesas,
o governador permitiu o gasto de mais R$ 8 milhões ao erário. Além da via administrativa ilegal, o procedimento atentou contra decisão pacificada do TJ-SC e consolidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
No fundamento político, o governador, desde o início do mandato, governou sozinho, não estabeleceu diálogo, não apresentou plano de governo, não ouviu, nem compôs com os principais setores do Estado e da sociedade catarinense. Esta falta de diálogo, associada à gestão sem planejamento, combinada com um partido fragmentado, sem identidade, sem histórico, impede, nesse momento, o apoio parlamentar – o que dificulta a governabilidade.
Numa analogia com a arte, existe quadro sem moldura, mas não existe moldura sem quadro. O crime de responsabilidade existe e é grave. O que está em jogo agora é o tamanho da moldura. Santa Catarina e seus cidadãos necessitam de um governador sensível à pandemia (saúde) e estratégico com outros setores (transparência nos gastos). Nesse sentido, pedido de impeachment por seus dois fundamentos é legítimo e necessário.
“Contra o impeachment”
Cláudio Ladeira de Oliveira, doutor em Direito e professor da UFSC
A Assembleia Legislativa deveria rejeitar a abertura do processo de impeachment do governador Carlos Moisés, não obstante a plausibilidade do pedido e a competência com que é fundamentado. Ele é acusado de incorrer na hipótese de crime de responsabilidade prevista no art. 11.1, da lei 1079/50 (“ordenar despesas não autorizadas por lei”) ao conceder, mediante ato administrativo, aumento de vencimentos aos procuradores do Estado, sem que lei estadual o autorizasse a tanto. Em sua defesa, alega que uma decisão judicial transitada em julgado, determinando a concessão do aumento, não apenas autorizava, mas exigia a edição do ato questionado.
O crime de responsabilidade é matéria essencialmente política. Em primeiro lugar, ao contrário do que ocorre no caso dos ilícitos tipicamente jurídicos, é necessário que 2/3 dos deputados estaduais autorizem que a abertura do processo. E eles podem preferir que o governador seja responsabilizado judicial, ou politicamente, mas nas próximas eleições, pelos cidadãos. Em segundo lugar, avaliar a ocorrência do “crime de responsabilidade” exige uma escolha política, bem mais do que uma interpretação do direito. Isso é especialmente verdadeiro graças à lei 1079/50: itens dos artigos 6º a 12 permitem que praticamente qualquer matéria de gestão pública possa gerar, com alguma criatividade, a acusação cuja condenação importará a destituição de um governador eleito democraticamente.
Observem o paradoxo: se o governador se recusasse a editar o ato questionado, aguardando a edição de lei sobre matéria, ele também poderia ser acusado de incorrer no crime de responsabilidade previsto art. 12.2: “recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo.” Afinal, havia sentença judicial transitada em julgado exigindo o aumento de vencimentos! Assim, o que deveria ser um instrumento parlamentar para fiscalizar os atos do chefe do poder Executivo, pode se transformar em nova etapa da disputa político-eleitoral, uma espécie de “terceiro turno permanente”.
Uma prática danosa à democracia, a qual exige uma cultura de respeito aos resultados das eleições. Por isso o poder Legislativo deveria reservar o impeachment para situações absolutamente excepcionais, nas quais a ocorrência do ilícito encontra-se acima de qualquer dúvida razoável. No caso presente, em que tanto a edição do decreto quanto sua não edição poderiam suscitar uma hipótese de responsabilidade, o melhor a fazer é rejeitar o pedido. Em caso de dúvida, que prevaleçam o resultado das eleições e a autoridade da soberania popular.
Fonte: NSC