Coluna | Cultura e Arte
Quando falamos em arte, no senso comum, é fácil nos remetermos a um modo de saber-fazer desinteressado, muitas vezes voltado para o mercado do entretenimento e das diversões baratas, geralmente descoladas de qualquer intencionalidade política.
Entretanto, e essa é uma discussão que deve ser feita entre os agentes das classes artísticas, é necessário que identifiquemos as relações que a arte tem com a política, seja num contexto macropolítico, estrutural e que envolve a gestão das políticas públicas, seja em nível micropolítico, que diz respeito à produção das subjetividades que encontram neste contexto um plano de consistência.
O certo é que a arte pode fazer política independente da intenção do artista. A arte opera no plano do político na medida em que cria condições para afirmar ou transgredir certas lógicas dominantes. Porém, quando o processo artístico é conduzido com intencionalidade, ou seja, pensado teleologicamente, o risco de dar um tiro no próprio pé é enorme, pois o discurso encontra ressonância em seus pares e vem a soar como ruído para os sujeitos que não partilham dos mesmos códigos comunitários.
Neste sentido a arte não necessariamente produz política, tensionando o instituído e produzindo novos modos de existir em coletividade. É preciso que a arte gere um excedente, um espectro indistinto que permita novas significações.
Se a arte tem potência política, esta potência reside na sua capacidade de produzir movimentos de diferenciação e resistência, pois ao se afirmar determinadas lógicas, o que se produz é a repetição do mesmo, sutis diferenças de grau, mas não diferenças de natureza.
A arte está inserida no campo do político, mas faz política muito pouco e muito raramente e apenas na medida em que consegue perturbar a distribuição consensual e policiada dos tempos, espaços e competências de quem ocupa ou não tais lugares.
A discussão, infelizmente, não cabe em uma coluna de jornal, mas deixo aqui o estopim para a reflexão, considerando que atravessamos tempos difíceis para a arte e a cultura. Por isso é necessário pensar a política da arte, a arte política e as políticas públicas para a arte e a cultura, para não deixar que se esvazie a urgência do assunto.
Referências
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política; trad. Mônica Costa Netto. – São Paulo: EXO Experimental org.; Editora 34, 2009, 2ª ed., 72 p.
__________. O espectador emancipado; trad. Ivone C. Benedetti. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012, 128 p.
__________. O desentendimento: política e filosofia; trad. Angela Leite Lopes. – São Paulo: Editora 34, 1996, 144p. (Coleção TRANS)
__________. O dissenso; trad. Paulo Neves in NOVAES, Adauto. (org.). A crise da razão. – São Paulo: Companhia das Letras: Brasília, DF: Ministério da Cultura: Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Artes, 1996. p. 367 – 382.
Manolo Kottwitz
Professor de Artes Cênicas/Mestre em Psicologia Social e Cultura