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Orgulho LGBTI: os encontros e expressões em meio à pandemia

Maior evento do tipo no mundo, a Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo foi realizada virtualmente, pela primeira vez em sua história, em 14 de junho.

A vibrante e colorida aglomeração que a caracteriza foi impossibilitada pela pandemia do novo coronavírus, mas uma programação online com shows, apresentações e debates foi transmitida das 14h às 22h, e assistida por um público de 30 mil pessoas.

Em tempos normais, ao longo de junho – mês do orgulho LGBTI – as celebrações vão além das paradas ocorridas em várias cidades do mundo, com festas, debates, shows, sessões de cinema e muitos outros eventos temáticos.

Junho é o mês em que ocorreu a Rebelião de Stonewall, em 1969, em Nova York, marco do movimento LGBTI, e também o mês em que, um ano depois, foi realizada a primeira parada do orgulho LGBTI na cidade americana.

São semanas com aumento expressivo na agitação cultural e no consumo de produtos e serviços voltados ao público LGBTI. Mas os encontros da comunidade em espaços próprios, como bares e boates, são fundamentais para a sociabilidade durante o ano inteiro.

A exemplo da Parada de São Paulo, esses encontros estão tendo que se adaptar, na medida do possível, à realidade do novo coronavírus.

“O distanciamento social prejudica essa sociabilidade porque os espaços estão fechados e devem permanecer assim, claro, pela segurança das pessoas. Mas isso tem um efeito na vida desses sujeitos, que é o de deixá-los isolados em relação a apoios sociais”, disse ao Nexo a socióloga Regina Facchini, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu e professora na pós-graduação da Unicamp.

Ela lembra que, além de não poderem acessar esses espaços de convívio, muitas pessoas LGBTI estão confinadas junto de familiares que não aceitam sua sexualidade, identidade e expressão de gênero.

A importância histórica do encontro

Espaços frequentados por e tidos como seguros para pessoas LGBTI possuem historicamente um papel fundamental para a comunidade devido ao estigma – hoje menor, mas não erradicado – em torno da diversidade sexual e de gênero na sociedade.

Não à toa, um dos principais marcos mundiais do movimento, a Revolta de Stonewall, começou em um desses lugares. Ocorrida em Nova York em junho de 1969, foi uma reação dos frequentadores do bar Stonewall Inn, que incluíam homens e mulheres trans e homossexuais, a uma ação da polícia.

A ocupação de espaços públicos e também de estabelecimentos como bares pela população LGBTI foi um processo conflituoso ocorrido ao longo do século 20, disse ao Nexo o historiador, ativista LGBTI e professor da Universidade Brown, nos EUA, James Green.

No Brasil, segundo Green, esses encontros se davam de forma escondida em espaços públicos até que, a partir da década de 1950, começaram a surgir bares frequentados por gays e lésbicas em cidades como São Paulo e Rio. Foi a partir dos anos 1960 que estabelecimentos abertamente LGBTI se tornaram mais comuns no país. Green é autor de “Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século 20”.

O “Stonewall brasileiro” ocorreu em 1983, quando dezenas de mulheres lésbicas se reuniram para protestar contra a discriminação que haviam sofrido no Ferro’s Bar, no centro de São Paulo, até então um ponto de encontro de décadas para o grupo.

“Como a sociedade marginaliza os LGBTI, os espaços conquistados ao longo dos anos são lugares privilegiados para ter contatos sociais e sexuais, afetivos, para conhecer parceiros. Isso é muito importante porque, na medida em que as famílias, o ambiente escolar e de trabalho as discriminam, as pessoas procuram lugares onde tenham uma certa segurança, onde de sintam à vontade para expressar sua maneira de ser, sua identidade sexual e de gênero. Esse apoio social é fundamental numa sociedade hostil”, disse Green.

Devido às conquistas do movimento LGBTI, esses espaços se ampliaram e se tornaram mais visíveis em décadas recentes, principalmente a partir dos anos 1990.

Além das conquistas políticas e de direitos ocorridas nesse período, houve uma passagem de estabelecimentos que funcionavam como “guetos protetores” para um verdadeiro mercado voltado à população LGBTI, segundo explica ao Nexo a pesquisadora Regina Facchini.

Na Coreia do Sul, a homofobia que mantém estabelecimentos gays isolados contribuiu para colocar a saúde pública em risco durante a pandemia. Uma nova onda de casos de coronavírus surgiu em meados de maio em Itaewon, bairro boêmio de Seul frequentado pelo público LGBTI, após o início da reabertura. O estigma à homossexualidade no país tornou mais difícil fazer o rastreamento dos frequentadores, necessário para manter a pandemia sob controle, e ataques à população LGBTI se multiplicaram.

As estratégias na quarentena

As medidas de isolamento adotadas em função do novo coronavírus impactam a vida social e a saúde mental de todos os grupos demográficos.

Para um grupo que historicamente precisou recorrer a espaços como bares e boates para poder exercer plenamente sua identidade, porém, as restrições impostas pela pandemia têm consequências específicas.

“A comunidade LGBTI é definida com frequência por aquilo que está sendo esmagado pelo coronavírus: o prazer de se reunir”

Spencer Kornhaber

Em reportagem publicada na revista The Atlantic

A pista de dança, um lugar emblemático para a identidade LGBTI, está no polo oposto das recomendações de distanciamento social. A vida noturna das cidades, de modo geral, deve ser um dos últimos setores a retomar suas atividades após a pandemia.

“Quando você é alienado pela família ou pela comunidade na qual cresceu, quando a sociedade não te deu um mapa de como sua vida adulta deve ser, quando a satisfação dos seus desejos foi estigmatizada, a busca por prazer e conexão se tornam mais importantes, assim como atividades como dançar, conversar, fazer sexo”, diz uma reportagem da revista The Atlantic.

Como tem ocorrido de forma geral, a comunidade LGBTI vem tentando recriar seus espaços de sociabilidade online, com versões virtuais de eventos regulares, como paradas e festas, além de grupos de apoio para aqueles que sofrem preconceito em casa.

Os eventos online têm, no entanto, suas limitações. O professor James Green acredita que são uma resolução temporária, mas que as pessoas tendem a ficar saturadas das interações por videoconferência. Nem todas as pessoas, além disso, dispõem de privacidade dentro de suas casas para participar desse tipo de encontro online, como lembra Facchini.

A Dando, festa LGBTI de São Paulo, é uma das que estão realizando eventos virtuais durante o mês do orgulho. No dia 27 de junho, a festa participa de um evento global chamado Digital Pride, que inclui sets de DJs, performances artísticas e painéis de discussão.

“Como festa, a gente viu necessidade em se fazer presente no mês do orgulho para não deixar ele entregue só às marcas, que usam muito desse mês, dos nossos corpos, do nosso discurso para lucrar”, disse o produtor da Festa Dando Thiago Roberto ao Nexo.

Fonte: Nexo Jornal

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