Há uma memória especial deste período que pode ficar enterrada em nosso inconsciente coletivo.
Nos primeiros dias da pandemia, quando era quase impossível encontrar papel higiênico nos mercados, você deve ter se sentido vitorioso ao finalmente comprar um rolo de papel higiênico, depois de várias visitas a lojas.
Você ali, no corredor do supermercado, satisfeito ao avistar algo branco que sorria para você. Numa corrida quase vertiginosa, aparentemente ouvindo uma trilha sonora de um filme de ação, você voou em direção àquela mercadoria preciosa que sempre esteve ali por décadas, mas que agora era mais apreciada que nunca.
Todos pensamos muito nisso e agora a ciência está nos fornecendo novos dados sobre o que provocou a Grande Escassez de Papel Higiênico de 2020.
As pessoas que entram em pânico e acumulam papel higiênico têm uma alta pontuação na avaliação da personalidade por traços de “conscienciosidade”, de acordo com um novo estudo publicado na revista PLOS ONE, de acesso aberto. O termo “conscienciosidade” inclui características como organização, diligência, perfeccionismo e prudência.
“Não tínhamos uma teoria em mente. Nós só queríamos explorar os fatores de personalidade em jogo”, contou a coautora do estudo, Lisa Garbe, estudante de doutorado no departamento de ciência política da Universidade de St. Gallen, na Suíça.
Enquanto atuasse como pesquisadora visitante no Reino Unido, Lisa alimentou a ideia do estudo com o coautor Theo Toppe, estudante de doutorado no departamento de psicologia cultural comparada do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária. Os dois chamaram Richard Rau, um assistente de pesquisa no departamento de psicologia da Universidade de Münster, na Alemanha, para o trabalho.
Comparando hábitos de compra com tipos de personalidade
Os três autores perguntaram a 1.029 adultos nos EUA e em 34 países da Europa sobre a compra de papel higiênico durante o auge da pandemia de coronavírus, de 23 a 29 de março.
Em seguida, relacionaram as respostas dos participantes com uma avaliação de personalidade chamada modelo de personalidade HEXACO.
Desenvolvido em 2000 por psicólogos no Canadá como uma maneira de mapear atributos de personalidade em diferentes culturas, o HEXACO mede as características das pessoas em seis grandes domínios: honestidade/humildade, emotividade, extroversão, afabilidade, conscienciosidade e abertura à experiência.
As pessoas que se enquadram na categoria “conscienciosidade” foram as que mais reportaram a tendência de comprar e acumular papéis higiênicos. É aquele amigo que gosta de planejar com antecedência e se preparar demais. Nesse caso, a preparação, racional ou não, teve o efeito relativo de ordenar uma existência desordenada.
A parte final do estudo perguntou aos entrevistados se eles se sentiam ameaçados pelo novo coronavírus. Aqueles que se sentiram mais ameaçados pela Covid-19 foram os mais propensos a acumular papel higiênico.
“Essa foi a descoberta mais importante do estudo”, revelou Lisa Garbe. “Depois de se sentir ameaçado por algo, a pessoa começa a se comportar irracionalmente. Isso é muito humano”.
A contagiante compra por pânico
Em março, algumas empresas relataram um aumento de 700% nas vendas de papel higiênico e os fabricantes ficaram sobrecarregados com a demanda inesperada. O cerne da questão ainda permanece um mistério.
Na época, os psicólogos apontaram vários fatores para explicar o fenômeno. Por um lado, mensagens conflitantes de autoridades federais e estaduais podem criar um ambiente de ansiedade. E a compra por pânico pode gerar mais e mais compras.
Agora, este estudo oferece novos dados empíricos que mostram quem estava participando da corrida ao papel higiênico.
“Sendo criaturas sociais, procuramos pistas sobre o que é seguro e o que é perigoso”, afirmou o psicólogo Steven Taylor, que literalmente escreveu um livro sobre o assunto, “The Psychology of Pandemics” (“A psicologia das pandemias”, em tradução livre).
“Quando você vê alguém na loja, comprando por pânico, isso pode causar um efeito contagiante”, observou ele.
O mistério permanece
Com as informações sobre como a Covid-19 se espalhando, a louca corrida para pegar desinfetante para as mãos, produtos de limpeza, termômetros e máscaras fez todo o sentido.
Mas por que outras coisas, como papel higiênico, entraram nessa lista? Lisa e sua equipe não indicam um motivo específico. Embora seja irracional, podemos apontar razões racionais para o que leva a surtos de comportamento irracional.
“A menos que as pessoas acreditem nas promessas oficiais de que todos serão atendidos, elas têm que adivinhar a probabilidade de precisar do papel higiênico extra, mais cedo ou mais tarde”, especulou Baruch Fischhoff, psicólogo e professor do departamento. de engenharia e políticas públicas e do Instituto de Política e Estratégia da Universidade Carnegie Mellon, que não participou do estudo. “O fato de não haver promessas oficiais pode aumentar essas probabilidades”.
Essa é a mesma conclusão da equipe de Lisa Garbe.
“O estudo tem implicações na comunicação política para reduzir a percepção de ameaças”, disse a doutoranda. “Comunicação clara é muito importante. As pessoas precisam de instruções comportamentais simples”.
Fonte: CNN Brasil