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Medo de pacientes de procurar atendimento em postos e hospitais preocupa médicos

Consultas e exames médicos podem despertar receio e desconforto em muita gente, mas a pandemia de coronavírus ampliou o temor a ponto de a diminuição de pacientes em hospitais, postos de saúde e consultórios chamar a atenção dos profissionais de saúde.

Com medo de se expor ao contágio pelo vírus, doentes crônicos têm interrompido tratamentos contínuos. Há pessoas até mesmo ignorando sintomas sérios ou retardando perigosamente a procura pelo socorro que deveria ser urgente.

Os resultados dessa falta de tratamento, de imediato ou em um intervalo de dias, semanas ou meses, podem variar da piora geral do quadro até a morte. Para João Henrique Kolling, médico de família e comunidade integrante do Serviço de Atenção Primária à Saúde do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o medo da população é nítido. Ele aponta dois extremos nesse comportamento:

— Há o paciente que está totalmente relaxado e não se dá conta de que está circulando demais sem precisar circular e o paciente que está em situação grave, com sintomas, dor no peito, e acaba adiando até a última hora a busca por atendimento devido a essa hesitação.

Kolling, também presidente da Associação Gaúcha de Medicina de Família e Comunidade, relaciona esse cenário a um aspecto cultural: quando adoecemos, ir ao hospital é uma das primeiras opções consideradas.

Se os pacientes contassem com médicos de referência acessíveis, tanto na rede pública quanto na privada, poderiam ser melhor orientados antes de correr para uma emergência.

Também há resistência da parte de alguns em procurar um posto de saúde, antevendo horas de espera em uma fila. Nestes tempos de pandemia, pontua Kolling, muitos casos são resolvidos por chamadas de vídeo ou telefone.

O médico também destaca um aspecto tranquilizador: hospitais e postos costumam ter entradas separadas e seguras para quem busca atendimento – doentes com sintomas gripais não se misturam aos demais.

Minutos antes da conversa com a reportagem, Kolling recebeu uma mensagem que ilustra bem a cautela da população. A mãe de uma menina de sete anos relatou que a filha sentia uma forte dor na barriga.

“Começou ontem, na madrugada. Quase a levei ao hospital, mas tenho medo de que ela possa pegar o vírus na emergência”, escreveu ela. O médico pediu que a mulher levasse a criança até a Unidade Básica de Saúde (UBS) Santa Cecília, onde ele atendia naquele momento, para examiná-la.

Cardiopatas, diabéticos e hipertensos integram o grupo de maior risco, especialmente se houver histórico de infarto ou angina (dor no peito).

Outros indivíduos que tomam medicação contínua (incluindo aqueles com quadro psiquiátrico ainda não controlado) e gestantes também não podem se descuidar da frequência das consultas ou da rápida reação a evidências que denotam maior severidade (leia mais ao fim do texto).

Quem toma anticoagulantes não deve espaçar as visitas ao médico e os exames em mais de dois meses. Entre as possíveis consequências da interrupção do tratamento para hipertensos ou diabéticos, por exemplo, estão infarto e acidente vascular cerebral (AVC). Além disso, essas pessoas, sem medicação, tornam-se mais suscetíveis às complicações da covid-19, caso venham a contrair o coronavírus.

— O risco é imediato, e de vida muitas vezes. Não vale a pena ter medo de uma possível infecção pelo vírus e ignorar um sintoma concreto que está acontecendo — alerta Kolling.

Fernando Lucchese, chefe do Serviço de Cardiologia e diretor do Hospital São Francisco da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, testemunhou, assim que a pandemia chegou ao Brasil, um acontecimento inédito: seu consultório, com a agenda sempre cheia, teve significativa redução de pacientes. A secretária ligava ofertando marcações, mas eles se negavam a comparecer.

— Estou muito impressionado com o que tem acontecido — relata o cardiologista.

Um fenômeno percebido em outros pontos do Brasil e do mundo passou a se delinear também por aqui: o número de infartos caiu no início da pandemia.

Especialistas cogitam duas hipóteses: as pessoas infartaram, não procuraram atendimento e morreram em casa ou, com o cumprimento das restrições de deslocamento, recolheram-se, o que acarretou diminuição das atividades e do estresse – consequentemente, pouparam-se mais e infartaram menos.

Não existe um registro nacional de infartos. Especialistas se baseiam em dados de secretarias e hospitais, mas ocorrem erros, e os dados podem levar a falsas conclusões (muitos óbitos registrados como parada cardiorrespiratória não tiveram como origem um infarto, por exemplo).

Lucchese recorda um episódio também do início da pandemia. Um paciente hipertenso, inteligente e bem articulado, morador de uma cidade do Interior, decidiu interromper por conta própria a medicação contínua ao ficar sabendo, pela incessante cobertura da mídia, que se incluía em um dos grupos de risco para coronavírus. Em seu raciocínio, equivocado, suspender o remédio o tornaria menos suscetível à infecção.

— Ele entendeu que o medicamento interagia com o vírus e aumentava o risco de morte. Gastei tempo no telefone para convencê-lo do contrário. Para ver o que o medo faz: muda a cabeça das pessoas. Nunca tinha visto isso na minha vida — comenta o cardiologista.

As regras fundamentais, elenca Lucchese, são a continuidade das terapias para enfermidades crônicas e atenção absoluta a sintomas, especialmente os que nunca ocorreram antes. Dor ampla no peito, aquela que é sentida com a mão espalmada (e não em um só ponto), pressão, ardência que vai até o pescoço ou o braço esquerdo são indicativos de angina que pode se transformar em infarto.

— É hora de ir para o hospital. Não tem conversa, não brinque com a sua vida — sentencia o médico, lembrando que vale o mesmo para casos de arritmia (batimento descompassado do coração).

Nas últimas semanas, a movimentação voltou a subir em hospitais, postos e consultórios, ainda que se mantenha inferior aos níveis habituais. Em alguns pacientes, já se percebe piora no estado.

No Hospital São Francisco, informa Lucchese, estão sendo realizadas 70% do total de cirurgias cardíacas que eram feitas antes da pandemia, mas os infartos, seguidos de angioplastias (desobstrução cirúrgica da artéria coronária), estão “reaparecendo”, depois da baixa verificada em semanas anteriores. Pouco antes da entrevista, o médico atendeu ao telefonema de um paciente queixoso:

— E essa dor no peito que não passa?

Enquanto o aguardava para avaliação, Lucchese salientou:

— O tratamento cardiológico não é só remédio. Inclui exercícios físicos, evitar estresse, fazer visitas ao cardiologista para corrigir medicação e exames de rotina. O afastamento do tratamento é nefasto — conclui Lucchese.

Sinais de alerta

A pessoa deve ser levada a um serviço de atendimento de urgência quando apresentar:

  • Dor intensa no peito, no abdômen ou na cabeça. No peito, além de dor, são relevantes as sensações de pressão e ardência (que pode subir até o pescoço ou o braço esquerdo)
  • Falta de ar
  • Arritmia cardíaca (batimentos irregulares)
  • Confusão mental (especial atenção no caso de idosos)
  • Paralisia facial
  • Sintomas novos, não experimentados até então

Riscos da descontinuidade

Pacientes com doenças crônicas não devem interromper seus tratamentos durante a pandemia:

  • Se não puder comparecer à consulta, ligue para o seu médico. Faça perguntas, tire dúvidas, relate o que está acontecendo
  • Tome os remédios conforme a orientação do profissional
  • Procure alternativas caso seu médio de referência não esteja acessível
  • Há serviços da rede do Sistema Único de Saúde (SUS) oferecendo teleconsultas

Fonte: Gaúchazh

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