Coluna: Cultura e Arte
A nova sociedade da peste reacendeu uma discussão mais ou menos recente, mas pouco inflamada, sobre as possibilidades da arte no ciberespaço, considerando que neste momento há toda uma legislação que normatiza os modos de viver socialmente e que restringe aglomerações presenciais de público, imprescindíveis até então para o acontecimento artístico de algumas linguagens, como o teatro, especialmente.
A utilização de gadgets e meios telemáticos, com transmissões ao vivo e o uso de tecnologias móveis vem sendo incorporada desde o advento da era informática por muitas linguagens artísticas, inclusive pelo próprio teatro, mas sem que houvesse um protagonismo dramatúrgico na estrutura do pensamento criativo.
O papel dos dispositivos audiovisuais, sobretudo nas artes cênicas, teve sua função muitas vezes relegada ao status de registro, sendo em alguns casos incorporado como linguagem na construção dramatúrgica em certas manifestações gramaticalmente contemporâneas, como em encenações pós-dramáticas ou performáticas de forma a integrar o conjunto de estratégias que movem o acontecimento cênico.
Há que se considerar que a linguagem pode e deve ser torcida, para que possamos produzir condições de possibilidades para outros territórios estéticos e existenciais, outros modos de subjetivação no encontro dos corpos em contexto de arte.
A linguagem, enquanto instituição, possui territórios bem específicos com todas as suas possíveis jurisprudências gramaticais e seus modos de escritura, mas o atual contexto mundial nos pede que olhemos com mais demora para os cenários liminóides, as zonas de fronteira, onde se operaram trocas de fluxos indiscerníveis que burlam o filtro da linguagem por não cruzar a justa-medida que nos faria colocar o pé no território: trata-se de um lugar-entre.
A discussão interessa na medida em que, para uma expressão da arte que se dá pelo viés do teatro, por exemplo: em que medida as estratégias de incorporação no léxico dramatúrgico do ciberespaço ainda permite que a linguagem preserve seu estatuto, mesmo operando na fronteira?
No mesmo movimento que pressupõe que assistir a um registro de teatro não é experienciar o teatro, pois se prescinde do campo de forças ativas do acontecimento “ao vivo”, há que se ponderar sobre as possibilidade de uso das tecnologias remotas na medida em que elas reconfiguram o estatuto da linguagem em relação às demandas implicadas pelos elementos colocados em jogo.
Pra encerrar, podemos com certa ironia recordar o profético enunciado de Antônio Conselheiro: o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão. Mas, e o teatro, vai virar live?
Manolo Kottwitz
Professor de Artes Cênicas/Mestre em Psicologia Social e Cultura