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OMS reinicia os testes em pacientes com hidroxicloroquina

Aumentam as dúvidas sobre o estudo que alertou de uma maior mortalidade associada à cloroquina e seu derivado

A Organização Mundial de Saúde (OMS) decidiu retomar todos os seus testes clínicos com hidroxicloroquina apesar das dúvidas existentes sobre esse medicamento. O secretário geral da organização, Tedros Adhanom, informou na quarta-feira que um comitê independente de segurança analisou os dados do teste clínico Solidarity da OMS que analisa diferentes tratamentos contra covid-19, entre eles a hidroxicloroquina.

Essa parte do teste havia sido cancelada após um estudo publicado há cinco dias alertar de uma maior mortalidade ligada a esse fármaco e outro parecido, a cloroquina. O comitê independente revisou os dados de mortalidade ligada ao fármaco e não encontrou razões para não continuar com o teste, de modo que o comitê executivo da OMS deu ordens para retomá-lo.

Mais de 3.500 pacientes de 35 países participam do teste Solidarity que, além da hidroxicloroquina e cloroquina está experimentando outros três tratamentos: remdesivir, interferon e lopinavir/ritonavir, dois antirretrovirais usados contra o HIV.

A decisão da OMS coincide com um crescente ceticismo sobre o estudo que aponta que a cloroquina e seu derivado não só não ajudam os doentes hospitalizados, como aumentam seu risco de morte.

Mas esse estudo aparentemente monumental ―dados de mais de 96.000 pacientes; revisão de especialistas independentes, publicação na The Lancet, uma das revistas científicas mais prestigiosas― está caindo. A própria revista que o publicou acaba de reconhecer que há “importantes perguntas científicas” sem respostas sobre o estudo.

A principal pergunta é se os dados são verdadeiros. Parece algo inconcebível em se tratando de uma publicação de prestígio e assinado por três cardiologistas de instituições respeitadas, mas por enquanto não há maneira de sabê-lo porque os autores não tornaram públicos os dados para que sejam revisados por especialistas independentes.

Sequer forneceram a lista completa dos quase 700 hospitais que participaram cedendo dados anônimos de pacientes por via telemática à empresa norte-americana Surgisphere. Seu principal executivo, Sapan Desai, é autor do trabalho, ao lado dos cardiologistas Mandeep Mehra, do Hospital Brigham de Mulheres de Boston, Frank Ruschitzka, do Hospital Universitário de Zurique e Amit Patel, do departamento de bioengenharia da Universidade de Utah. A empresa argumenta que não pode fornecer os dados e identificar os hospitais com os quais trabalha por acordos de confidencialidade.

Numerosos especialistas, entre eles um grupo de mais de 200 médicos e bioestatísticos de vários países, denunciam que o trabalho contém dados aparentemente impossíveis que não podem ser verificados. Sustentam que o estudo não soube ponderar bem as diferenças entre os pacientes, por exemplo os que recebem o tratamento e por quê e a qualidade dos hospitais em que estavam internados.

Também acham quase impossível que em um continente como a África possam existir dados informatizados e de qualidade de 4.400 pacientes, o que significa um de cada quatro infectados no continente. A maioria dos pacientes analisados, 63.000, é da América do Norte, provavelmente muitos dos EUA, país em que a dose aprovada dos medicamentos é mais baixa do que as usadas no estudo, alertam.

Outro grande estudo assinado por vários membros da mesma equipe e baseado em dados da Surgisphere acaba de entrar na discussão. O trabalho analisou dados de 8.000 pacientes em 170 hospitais para realizar um trabalho aparentemente contundente.

Ao contrário do que apontaram outros trabalhos não havia provas de que dois medicamentos para controlar a tensão aumentam o risco de morrer por covid-19. “Recentemente nos alertaram de importantes dúvidas sobre a qualidade da informação nessa base de dados”, alerta nesta semana o prestigioso New England Journal of Medicine, que publicou o estudo, em uma carta de seus editores.

A Surgisphere anunciou que disponibilizará todos os dados aos autores do estudo não afiliados à empresa para que façam uma “auditoria” independente. As duas revistas envolvidas dizem que tomarão novas medidas quando os resultados dessa análise forem divulgados.

Os mais de 200 especialistas nesse campo exigem que essa auditoria seja feita pela OMS ou órgão semelhante. Também pedem à The Lancet que torne públicos todos os comentários dos especialistas independentes que analisaram o estudo antes de sua publicação.

“Estes estudos têm dados maciços com histórias clínicas detalhadas que não são cedidas em nenhum caso e citam um volume de casos que às vezes não corresponde ao esperado nas datas que indicam”, diz Antoni Trilla, epidemiologista do Hospital Clínico de Barcelona e assessor científico do Governo.

“É quase impossível que dados assim tenham saído dos grandes hospitais espanhóis. Os autores devem responder de maneira clara e rápida as dúvidas geradas. Se não o fizerem, é um escândalo maiúsculo. A The Lancet deverá dar explicações e assumir responsabilidades”, afirma.

Pere Domingo, médico coordenador de um teste com cloroquina no Hospital Sant Pau de Barcelona, questiona os resultados do trabalho. “Nosso estudo só recrutou 70 pacientes, mas, ainda assim, se a porcentagem de efeitos adversos detectados nesse estudo fosse verdadeira, deveríamos tê-los visto em pelo menos oito pacientes e isso não ocorreu, de maneira nenhuma”, afirma o médico.

“O problema desses trabalhos é que juntam dados de pacientes muito diferentes, um hospitalizado por covid-19 na Rússia não é a mesma coisa do que um na Espanha e os efeitos de qualquer tratamento realizado não podem ser comparados”, ressalta.

Talvez nunca se possa determinar se esses dois medicamentos funcionam contra a covid-19 e em que dose.

Na Espanha e em muitos outros países nos quais a epidemia foi controlada já quase não existem novos infectados que possam ser incluídos nos testes. É possível que os receios que cercam essas duas drogas desanimem os poucos infectados que não participaram dos testes, como afirmou ao EL PAÍS Pedro Alonso, diretor do programa de Malária da OMS.

Há um terceiro estudo de confirmação duvidosa que teve impacto igual ou maior. É um trabalho preliminar que não foi revisado por especialistas independentes e não foi publicado em uma revista científica, mas que sustentou importantes decisões políticas. O trabalho afirma que um fármaco antiparasitário ―a ivermectina― reduz a mortalidade em doentes de covid-19.

Apesar de todas as dúvidas o tratamento foi aprovado no Peru, onde explodiu o mercado paralelo com ivermectina para animais que é vendido como se fosse para humanos. Na Bolívia foram entregues 350.000 doses a doentes, como denunciam os médicos do Instituto de Saúde Global de Barcelona Carlos Chaccour e Alberto García-Basteiro e o consultor Joe Brew.

“Além das incoerências metodológicas e discrepâncias constatadas nesses três artigos, nos surpreende que a aparentemente maior e sofisticada base de dados de pacientes hospitalizados existente seja totalmente desconhecida e que os processos de limpeza e análises de dados de semelhante plataforma sejam feitos em tão pouco tempo”, diz García-Basteiro. “Até que todas essas dúvidas não sejam resolvidas acreditamos que os resultados não são confiáveis e críveis”, acrescenta.

 

Fonte: EL País

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