É indescritível o desconforto que eu sinto ao ouvir as pessoas falando de transtornos mentais, fulano ansioso, cicrano depressivo, beltrano bipolar. O diagnóstico em saúde mental é de uma banalidade que pode ser dado pelo bodegueiro da esquina. A inesgotável complexidade de definir o que é normal e o que não é em todos os âmbitos da saúde, mas, sobretudo na saúde mental, é que dificulta diagnósticos decentes, planos de tratamento e intervenção adequados e prognósticos assertivos. Isto é claro e evidente, no entanto, não pode justificar más práticas.
Verdadeiramente triste é constatar o quanto essa banalização progride em detrimento da expansão da psicologia e da psiquiatria. Dói pensar (n)isso porque é lamentável cogitar que estejamos participando dessa difusão do normal em favor da psicopatologização de tudo e da (in)consequente medicalização.
Allen Frances, psiquiatra americano que participou da construção do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais IV (DSM-IV) e depois, tendo avaliado uma série de impactos negativos do mesmo sobre os diagnósticos em saúde mental e consequentemente na saúde dos sujeitos, escreveu Voltando ao Normal: Como o excesso de diagnósticos e a medicalização da vida estão acabando com a nossa sanidade […], afirma que tantos diagnósticos, em geral, equivocados, têm levado a medicalização incosequente e, inevitavelmente, afetado a capacidade autoreguladora e regeneradora dos organismos.
Apesar da dificuldade de conceituar a normalidade é imprescindível esforçar-se enormemente para perceber a diferença entre um acesso de birra e raiva de uma criança e a bipolaridade; entre o desinteresse escolar e o déficit de atenção; entre desconfortos, descontentamentos e preocupações e a ansiedade generalizada; entre o esquecer feições ou eventos e a depressão ou o Alzheimer; entre luto e tristeza e transtorno depressivo; e também não é porque seu filho se interessa por estrelas, planetas, dinossauros ou foguetes que ele tem algum grau de autismo.
Diagnosticar transtornos mentais é coisa séria, exige processos e critérios, e só deveria se dar quando a manifestação é nítida e grave. Correr ao psiquiatra e a medicalização só vão produzir rótulos, que em geral se tornam muletas para que o sujeito possa se justificar moralmente, como o pobre do Tiger Woods que sofria um transtorno mental que o levava a trair ininterruptamente (não que ele fosse um mulherengo sem vergonha), pode parecer extremo, mas não é, vocês não imaginam a quantidade de absurdos que se pode produzir.
Então, quando estiver triste, sofrendo, esquecendo algumas coisas, se irritando, etc. etc. entenda que isso é parte da vida e que a melhor forma de lidar com os problemas é lidando. É preciso tornar a entender e usufruir do valor que existe em buscar apoio familiar, em amigos, na psicoterapia, fazer algumas mudanças necessárias na vida, lidar com estresse, praticar atividades físicas, entre outros. Superar momentos de dificuldade recrudesce o psicológico.
Finalizo, como em outras ocasiões, com uma frase de Nietzsche: “Eu tomei a mim mesmo em minhas mãos, eu tornei de novo a mim mesmo sadio: a condição para tanto – todo psicólogo o admitirá – é que alguém, no fundo, seja sadio”.
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
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