Responsabilizar os pais por todas as nossas dores é uma injustiça. É infinitamente mais simples culpar nossos pais por nossas limitações, acusando que não houve afetividade suficiente, que não houve recurso financeiro suficiente, que tais castigos injustos foram aplicados, que faltou isso ou faltou aquilo. Evidentemente, importam todas as vivências e experiências que tivemos para nossa constituição de sujeito, para nossa forma de ser e estar no mundo e em relação com as outras pessoas. No entanto, experiências ruins não fazem de ninguém um coitado passível de compaixão.
Os adultos em terapia, no geral, buscam acolhimento e cuidado para sua criança interior, carregada de feridas não cicatrizadas. A vida madura perpassa a capacidade de compreender os pais. Especialmente quanto ao fato de que eles foram o que conseguiram ser, considerando aquilo que tinham para oferecer; mesmo que isso tenha sido equivocado, pouco ou nada. A maturidade exige saber acolher os próprios dramas infantis, sem desejar que alguém se sinta culpado ou responsável por tê-los provocado.
Cabe, aqui, uma frase do filósofo Jean Paul Sartre, que fica boa na seguinte tradução: “Mais importante que aquilo que fizeram de mim, é aquilo que eu vou fazer com o que fizeram de mim”. Falhas e erros na criação sempre irão ocorrer, são inevitáveis e ainda bem, ou teríamos que lidar com o peso da perfeição dos pais.
Usualmente, repito aos pacientes no consultório: “Só podemos lamentar o vivido”. Só podemos lamentar os pais que temos, as vivências que com eles tivemos, os erros que consideramos que eles cometeram e as feridas que criamos. Caso a vida tivesse sido infinitamente outra, com outros pais, outras vivências, os lamentos seriam também, inevitavelmente, outros.
É evidente que, como afirma a psicóloga e psicodramatista Rosa Cukier: “Ninguém é culpado daquilo que não sabia. Mas somos, sim, responsáveis a partir do momento em que começamos a aprender”. Caso não sejamos capazes de compreender nossa história e, sobretudo, compreender nossos pais, também não alcançaremos a possibilidade de nos acolher, proteger e prover os cuidados necessários à nossa saúde mental. Talvez, reste, ser um chorão que passa todo o tempo lamentando os pais que teve e apoiando sobre eles a justificativa da própria incapacidade de responder à vida. A psicoterapia é para auxiliar nesse processo.
Fiquemos com um trecho do Renato Russo: “Você me diz que seus pais não lhe entendem, mas você não entende seus pais. Você culpa seus pais por tudo e isso é absurdo. São crianças como você, o que você vai ser quando você crescer?”.
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
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