Médicos de Santa Catarina têm prescrito a polêmica nebulização de hidroxicloroquina para pacientes com Covid-19. O tratamento, considerado ineficaz contra a Covid-19 e não recomendado por organizações de saúde, tem sido usado em diversos lugares no país. No Rio Grande do Sul e no Amazonas, o Ministério Público investiga a morte de pelo menos oito pessoas que passaram pela nebulização experimental.
O Conselho Regional de Medicina (CRM) em Santa Catarina informou que “chegou ao conhecimento” da presidência o uso da nebulização com hidroxicloroquina no Estado. No entanto, a entidade só toma medidas em relação ao fato se receber um comunicado formal – o que ainda não ocorreu.
Em Florianópolis, o tratamento tem sido receitado especialmente para pacientes que estão fora do ambiente hospitalar, em casa. A solução é feita por algumas farmácias de manipulação na Capital – mas nem todas oferecem o produto. De três empresas procuradas, na quarta-feira (14), uma confirmou que manipula hidroxicloroquina para inalação.
Para obter a solução, é necessária receita médica. A hidroxicloroquina é dissolvida em soro fisiológico e vendida em flaconetes, com as doses separadas para cada nebulização.
A coluna apurou que também têm sido emitidas receitas que usam o comprimido da cloroquina ou da hidroxicloroquina dissolvidos – o que, segundo especialistas, traz um risco adicional diante da presença de outras substâncias, como talco e corantes. A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia alerta para o perigo de agravar o estado de saúde do paciente:
“Cabe lembrar que o comprimido tem na sua composição talco que é um silicato e outras substâncias agressoras. Quando inaladas essas substâncias podem causar broncoespasmo e se depositam no pulmão e vias aéreas causando uma reação inflamatória. Essa inflamação aguda se somando à inflamação pulmonar pela infecção viral tem o potencial de agravar o quadro. Em nenhuma diretriz para tratamento de nenhuma doença é recomendado o uso de comprimidos por via inalatória. O acúmulo desse material pode, inclusive, causar consequências a longo prazo como insuficiência respiratória crônica”.
Médicos ouvidos pela coluna, em condição de anonimato, relataram que o tratamento, criado pelo médico norte-americano Vladimir Zelenko, foi disseminado pelo país em grupos de Whatsapp e ganhou notoriedade – não apenas entre alguns profissionais de saúde, mas também, e principalmente, entre políticos. Uma das publicações que viralizaram ao longo das últimas semanas mostra a aplicação de nebulização em uma mulher de Manaus, em que ela afirma sentir-se melhor. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, a mulher morreu – mas o fato é omitido na ‘propaganda’ do tratamento.
A hidroxicloroquina, assim como a cloroquina, não é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para tratamento ou prevenção da Covid-19 – mesmo na forma convencional, em comprimido. O rol de possíveis efeitos colaterais inclui arritmia cardíaca, insuficiência hepática e problemas renais. Isso pode levar a um agravamento no quadro de saúde de pessoas contaminadas pelo coronavírus.
A médica Lara Kretzer, que é membro da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), diz que o risco da nebulização vai além dos efeitos colaterais:
– É a falsa sensação de segurança, de que algo está sendo feito e vai ficar tudo bem. Outro dano é disseminar a ideia de que medicina é uma questão de opinião, quando é algo que deveríamos lidar de maneira mais técnica. É a medicina do Whatsapp, do ouvi dizer.
Os médicos que usaram a técnica de nebulização com hidroxicloroquina, no Rio Grande do Sul e no Amazonas, estão sendo investigados pelo Ministério Público e pela Polícia Civil.
Fonte: NSC/Coluna de Dagmara Spautz