A necessidade de sentir-se reconhecido e apoiado está nos deixando progressivamente mais permeáveis e com o psicológico flácido. Quando a angustiante vida adulta se impõe e acompanhada dela a necessidade de fazer escolhas e assumir consequências, o sentimento pode ser bastante assustador, até mesmo desesperador, ficamos ávidos por caminhos, conselhos, dicas, passos a seguir, de modo a tirar de si próprio o peso da existência. Há muitos problemas nisso, desde a terceirização da vida, que já comentamos aqui em outra ocasião, até a dificuldade de amadurecer, a baixa tolerância à dimensão negativa da realidade, a falta de identidade e autenticidade e por aí vai.
Hoje, sugiro pensarmos e olharmos: Para quem damos ouvidos? a quem pedimos conselhos? as auto-ajudas de quem lemos? que moral essa pessoa possui? sobre quais valores ela pauta a própria vida? Afinal, se essas pessoas “ajudarão” a minha tomada de decisões, tudo isso e muito mais deve ser levado em consideração, já que eu estarei vivendo aos moldes dela, correto?
Não é possível viver na completa ausência de referências, mas é parte da maturidade saber decidir a quem oferecer os ouvidos quando o assunto é tomar o outro de exemplo. Particularmente, desconfio sempre dos perfeitinhos, aqueles que jamais erram e que querem constantemente nos empurrar seu Life Style; também afasto os moralistas, que vivem atribuindo valor de certo e errado às condutas; dou um passo atrás com os ofendidos, ressentidos e mimados que só sabem vitimizar-se; os que anunciam-se pessoas de bem também não me parecem confiáveis. Sobram poucos, não é mesmo? Considero especialmente sedutor apegar-me aos exemplos dos que já morreram, especialmente aqueles cujos ensinamentos atravessam os séculos, há uma razão para que assim seja.
Como o texto está bastante pessoal hoje, vou partilhar os ensinamentos de uma personagem da história que me encanta e para quem corajosamente posso “dar ouvidos”. Trata-se de Leonardo da Vinci (1452-1519), dispensa apresentações não é mesmo? Em sua biografia, escrita pelo grande biógrafo Walter Isaacson (2018) há um capítulo final destinado a lições que podemos extrair de sua vida e obra. Leonardo escrevia muito, anotava de tudo, inclusive escrevia ordens à si quanto ao que aprender no dia seguinte.
Pois bem, com um ser humano genial, peculiar, divertido, amável, curioso e obsessivo como Leonardo, podemos aprender lições como: Seja curioso, incansavelmente curioso (ele se instruiu a aprender de tudo); busque o conhecimento pelo simples prazer da busca; conserve a capacidade das crianças de se maravilhar; observe; comece pelos detalhes; veja o que está invisível; mergulhe no desconhecido; distraia-se; respeite os fatos; procrastine (imagino vocês questionando: O que? procrastinar, como assim? é isso mesmo, Leonardo não era escravo do tempo); faça com que o perfeito seja inimigo do bom; pense visualmente; faça com que seu alcance seja maior do que sua compreensão; alimente sua fantasia; crie para você, não só para seus patrões; trabalhe em conjunto; esteja aberto ao mistério, etc. A lista do que é possível aprender com ele é interminável, mas percebam que atentar-se a um grande gênio é diferente de ouvir os conselhos de alguém medíocre ou ler as linhas da auto-ajuda de alguém que sequer tem uma obra na vida.
Gosto dos gênios não só pela beleza de suas obras, mas também pelo retorno ao que é básico, elementar e simples quando o quesito é a vida. Arrogância? pode ser! mas me peça se me importo? Me importaria se Leonardo dissesse.
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
E-mail: psicologasolangekappes@gmail.com
Redes sociais:www.facebook.com/solange.kappes | Instagram: @solangekappes
A opinião de nossos colunistas não reflete necessariamente a visão do veículo.