Um das coisas mais curiosas de muitos dos políticos eleitos na onda conservadora de 2018 é a rejeição a uma das características que sempre marcaram o conservadorismo: o decoro. O deputado estadual Jessé Lopes (PSL), por exemplo, ignora completamente esse quesito.
Autointitulado comandante do “gabinete do ódio” em Santa Catarina, o parlamentar faz da garantia constitucional da imunidade parlamentar um instrumento para molecagens e para dar vazão a suas obsessões. Escrevi sobre isso poucos meses atrás quando ele se colocou como defensor do assédio às mulheres durante o carnaval – em contraposição ao grupo de que se organizou na campanha “não é não”.
Já estava claro na época que Jessé Lopes destina cada uma de suas ações à claque que montou nas redes sociais, tão odiosa quanto ele – e não me recriminem o uso da palavra odioso para se referir ao parlamentar, já que ele mesmo a utiliza para definir seu gabinete. Essa é a gangue que ele incita contra aqueles que o desagradam.
Recentemente, atacou em plenário e nas redes sociais o petista Paulo Eccel, então no exercício do cargo de deputado estadual, como “defensor de bandido” pela autoria de uma moção aprovada pela Assembleia Legislativa em que o governo estadual é questionado pela forma como a Polícia Militar atua no combate ao crime nas comunidades de periferia em Florianópolis – motivado pelo protesto de moradores do Morro do Mocotó após a morte de um jovem. O petista reagiu indignado e foi novamente ironizado. Levou o caso para a Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, onde se encontra.
O confronto de ideias é necessário e próprio de qualquer parlamento – o ódio, a galhofa e o uso de gangues do pensamento para constranger adversários, não é, não. Agora, Jessé soma a suas molecagens o compartilhamento de um boato que envolveria o governador Carlos Moisés.
Não fosse o deputado estadual, o assunto teria permanecido no esgoto das redes sociais, mas a luz que deu ao tema fez com que o próprio governo do Estado emitisse nota oficial repudiando a atitude do parlamentar e anunciado a disposição de Moisés em processá-lo criminalmente.
Imediatamente, o valentão do gabinete do ódio apagou o que disse e tentou remendar a situação, dizendo que se tratava de mera analogia com o caso da desastrada compra de 200 respiradores pelo governo Moisés – objeto de investigação policial, CPI e pedido de impeachment em análise. Logo em seguida, uma nota da Presidência da Assembleia Legislativa, em tom de reprimenda, registrou que “não compartilha com iniciativas que, de alguma forma, venham ferir a honra das pessoas”. É importante, mas é pouco.
Voltemos ao decoro e à falta de modos do novo conservadorismo. Muito do que brotou das urnas em 2018, caso de Jessé, veio da reação da sociedade à forma como vinha sendo feita a política – incluindo aí os discursos politicamente corretos, a tentativa de não desagradar ninguém, a falta de combatividade.
Havia lógica na demanda popular por políticos mais autênticos. O triste é constatar que muitos confundem autenticidade com grosseria, molecagem, irresponsabilidade.
Confundem, também, indevidamente, as palavras decoro e hipocrisia. Resgato aqui o que é decoro para que o leitor entenda porque é um conceito tão caro aos conservadores de verdade – não essa extrema-direita pouco letrada. Vamos lá, decoro é: 1) recato no comportamento, decência (no vestir, no agir, no falar); 2) acatamento de normas morais, dignidade, honradez; 3) seriedade nas maneiras, compostura; 4) postura requerida para exercer qualquer cargo ou função, pública ou não.
Chegou a hora – provavelmente até tenha passado – de Jessé Lopes responder por suas molecagens no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Assembleia Legislativa. Caso contrário, podem fechar esse órgão, por inútil.
Fonte: NSC por Upiara Boschi