Hocus Pocus
Por Briann Ziarescki Moreira
Quando era pequeno, lá pelos meus cinco anos, dividia o quarto com meu irmão mais velho. Todas as noites era a mesma história: eu morrendo de medo do escuro não deixava o coitado dormir. Quando você é criança, a imaginação é uma ferramenta extremamente poderosa capaz de fazer o chão virar lava, brinquedos falarem e transformar o quarto ao anoitecer em um ambiente hostil, perigoso, cheio de monstros e assombrações que, ao acender da luz, se revelam casacos, cortinas e armários.
A solução para meu medo, conhecido por aí como nictofobia, foi um relógio mágico que meu irmão – em seu melhor momento Mestre dos Magos – me deu. Ele não funcionava direito, os números eram falhos e um oito poderia ser facilmente confundido com a letra “ f ”. Mas não esqueça: esse não era um relógio comum. Era mágico. Ao apertar um de seus botões, ele brilhava e aquela luz era capaz de afastar todo e qualquer perigo.
Então sim. Eu dormi de relógio no pulso por um bom tempo durante a minha infância. Mas em algum momento eu deixei de precisar do brilho salvador noturno. O relógio? Desapareceu em alguma das várias mudanças de minha infância. Acho que foi no mesmo período em que lentamente perdi o poder da imaginação. Hoje, tenho outros medos muito mais chatos e sem graça. Desemprego, final de mês, boletos e afins. Queria poder voltar no tempo, para os bons velhos tempos onde o escuro da noite era meu maior inimigo.
Então não. Halloween para mim é muito mais do que sustos rápidos e clichês hollywoodianos efêmeros. Essa data é sobre nostalgia. É relembrar daquilo que te assustava muito tempo atrás, quando você era criança e o mundo era enorme. Portanto irei recomendar três filmes que faziam eu ter pesadelos quando pequeno, mas que hoje eu saudosamente partilho com vocês. Gostosuras ou travessuras?
Abracadabra (1993):
Eu jamais, em hipótese alguma, acenderei uma vela da chama negra. Quem em sã consciência faria isso não é mesmo? Apesar de achar um máximo poder ter uma entrevista exclusiva com as irmãs Sanderson, eu vou passar essa. Interpretadas magistralmente por Bette Midler (Winifred), Kathy Najimy (Mary) e Sarah Jessica Parker (Sarah), o trio de irmãs bruxas foram responsáveis pelos pesadelos de inúmeras crianças.
O roteiro conduz de forma muito sagaz a história, tornando crível as desaventuras que três feiticeiras do século XVII passariam ao serem acordadas três séculos no futuro. O divertido e aterrorizante jogo de gato (“Thackery Binx seu gato sarnento!”) e rato entre o trio de crianças protagonistas e as bruxas, faz a narrativa desenrolar-se leve e despreocupada. O fator paródia e o carisma das personagens, dão espaço a uma ou outra cena de arrepiar os cabelos, como a canção de encantamento das crianças entoada por Sarah em pleno vôo de vassoura ou o ressurgir do morto-vivo com os lábios costurados.
Repleto de cenas atemporais e marcantes, Abracadabra se transformou em um clássico Disney instantâneo. Afinal, quem não se lembra de Winifred enfeitiçando todos os adultos de Salem ao som de I Put Spell On You? A notícia de que o estúdio está enfim planejando uma sequência com a volta do elenco original era tudo o que eu precisava neste dia das bruxas.
Convenção das Bruxas (1990):
Admita: a cena de transformação da senhorita Eva Ernst em bruxa é completamente aterrorizante. Na verdade, o longa em sua totalidade demonstra-se como um dos mais incrivelmente medonhos já realizados. Sua narrativa coesa, interpretações brilhantes – com destaque claro para Anjelica Huston – e um trabalho de maquiagem invejável, a produção é um marco atemporal do cinema, lembrado até os dias atuais por seus fãs, os quais me incluo, com ou sem carteirinha.
A própria ideia de que bruxas fazem convenções em hotéis para discutir planos de como acabar com todas as crianças já é aterrorizante o suficiente, mas aqui o diretor dá um passo a mais. Toda uma atmosfera apreensiva é criada para que o choque da revelação atinja em cheio o público. Nos sentimos todos como o protagonista: com os olhos vidrados encaramos boquiabertos a transformação daquelas senhoras em seres horripilantes.
Extremamente inventivo, Convenção das Bruxas é um dos pouquíssimos filmes que atingiram a cobiçada pontuação de 100% no renomado site de crítica Rotten Tomatoes, sendo inspiração para inúmeras produções vindouras. Recentemente foi lançado o remake da produção, estrelado por um elenco estrelado e direção de Robert Zemeckis, aquele mesmo de De Volta Para o Futuro. Infelizmente o filme não tem recebido críticas positivas, mas como regra das regravações, fica aqui a dica: jamais esqueça do original.
O Estranho Mundo de Jack (1993):
Inegavelmente belo, o pesadelo criado pela inventiva mente do diretor Tim Burton, trouxe ao mundo uma das produções mais lembradas nessa época do ano. O estranho aqui causa estima quando detalhadamente observado: foram 227 bonecos construídos para que o efeito de stop-motion pudesse se tornar referência mesmo quase trinta anos depois. Por se tratar de um musical, as belíssimas canções compostas para o longa nos deram de presente cenas icônicas como Jack entoando sua solidão à lua.
Claro que nem só de beleza se faz um filme Burtoniano, há muito do que se temer aqui. A própria Cidade do Halloween é um prato cheio dos mais pitorescos habitantes deste estranho mundo. Monstros, bruxas, fantasmas, vampiros e outras assombrações perfeitamente esculpidas possuem como rei ele mesmo: Jack, o esqueleto soberano das abóboras. Até mesmo o famigerado Bicho-Papão ganha vida no longa, o que deixa a pergunta pairando no ar: esse filme realmente é para crianças?
Minha resposta é que não há idade melhor para se passar medo com O Estranho Mundo de Jack do que quando criança. No melhor estilo nostálgico, escrevo conciso do que direi: o melhor momento para se temer o irreal, é quando a realidade ainda não é tão real. Em breve você cresce. Em breve você vira adulto. Os receios de um quarto escuro, das bruxas voadoras de Salem ou organizadas em convenções, e até mesmo do rei das abóboras logo passam. O que fica são as lembranças dessa época muito mais simples. Desejo um feliz dia das bruxas, repleto da mais doce nostalgia.