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Início Opinião Coluna | Era sol que me faltava | O ódio que seduz!

Coluna | Era sol que me faltava | O ódio que seduz!

O ódio que seduz!

Para as linhas desta semana, trago fragmento do Poema em Linha Reta de Álvaro Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, quando anuncia:

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; […]
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida […]”

Por que este poema? porque escancara nossa hipocrisia. Sim, esta hipocrisia que vivemos por não sermos mais quem somos, por anunciarmos sobre nós aquilo que não corresponde ao que sentimentos ou fazemos, agimos especialmente dessa forma quando o assunto é o ódio, ódio nosso de cada dia, que ocultamos junto com toda nossa negatividade pela obrigação da positividade e felicidade constante, e passamos a nos reconhecer como seres evoluídos, sublimes e quase poéticos, inofensivos e bondosos trilhando por um caminho de flores, entoando louvores e assustados com o tanto de ódio que existe nos outros. Sim, nos outros, nunca em nós mesmos.

O ódio está por toda parte, no trânsito, na política, na economia, nos espaços de trabalho, menos é claro em mim ou dentro da minha casa no seio da minha família. Somos incapazes de reconhecer o ódio em nós, preferimos assumir condutas passionais e de cordialidade. É claro que assim seria, afinal, assumir ódio direto nos implicaria risco físico.

É importante anunciar que é impossível amar à todos, que jamais chegaremos à condição de bondade absoluta porque a maldade é histórica e inerente a nossa condição. Como então compreender este ódio que nos caracteriza, nos identifica e, ao mesmo tempo, não queremos assumir que sentimos? Ele se funda e alimenta nas nossas invejas, medos e preconceitos.

Percebam, a centralidade da questão do ódio perpassa a contradição de envergonhar-se dele, apontá-lo em todos menos em si, mas deleitar-se profundamente ao sentí-lo. É isso mesmo que você leu, sentir ódio é absurdamente prazeroso, dizia Tácito em outros tempos: “Os homens apressam-se mais a retribuir um dano do que um benefício, porque a gratidão é um peso e a vingança, um prazer”. O bem parece nos colocar em condição de inferioridade diante daquele que o praticou conosco, imperceptivelmente ele nos humilha e faz com que nos sintamos obrigados à algo com o outro. Mas quando o assunto é o mal que alguém nos faz, o ódio que sentimos nos passa falsa ilusão de superioridade, que dá sentido e justificativa para minhas ações.

Odiar é de uma facilidade gigantesca, o potencial de provocar união e vínculo é infinitamente maior do que quando amamos alguém. Não conseguimos odiar um universo de pessoas, porque é extremamente esforçado, exigente e demanda muito tempo de combate. Quando odiamos nos deliciamos muito mais com o fracasso e a derrota do odiado que com nossa própria vitória.

Somos tão mentirosos que afirmamos odiar o ódio em tempos que combatemos ódio com ódio.

Solange Kappes

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