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Tornado do Oeste mostra que Santa Catarina precisa avançar nos alertas

Foto: Cristiano Estrela/Secom

O tornado registrado no Oeste de Santa Catarina na última quarta-feira, 10 de junho, colocou à prova o sistema de monitoramento e alerta da Defesa Civil. Os ventos fortes danificaram estruturas em diferentes cidades, com o fenômeno confirmado em Descanso e possibilidade de também ter sido registrado em Belmonte.

O episódio mostrou que o Estado tem uma condição diferenciada de acompanhamento das condições climáticas, mas ainda carece de avanços para consolidar o sistema de alertas como o treinamento de profissionais, a disseminação das informações e orientações de ações de resposta para as pessoas.

Alguns detalhes da ocorrência no Oeste exemplificam os pontos de melhoria. Desde 2017, a região tem uma cobertura com o radar meteorológico em Chapecó. O equipamento é considerado fundamental por especialistas para o registro de tempestades severas como é o caso do tornado. Além disso, desde 2019 uma equipe de meteorologistas foi contratada pelo Estado para monitorar os três radares existentes em SC – além do equipamento do Oeste, há um no Vale do Itajaí e outro no Sul – e emitir alertas.

No caso do tornado de Descanso, a Defesa Civil afirma que começou a enviar alertas de tempestade severa duas horas antes do fenômeno ocorrer. A principal ferramenta de acesso às pessoas é o SMS no celular. As imagens divulgadas pelo órgão no sábado comprovam que o radar captou a possibilidade da ocorrência através do desenho de um “gancho”, típico do que os especialistas chamam de “assinatura tornádica”. Em nenhuma das mensagens, porém, foi divulgado o termo “tornado”.

A coluna acessou os alertas enviados na tarde de 10 de junho. As mensagens avisaram sobre “Temporal com raios e possível granizo”. às 15h48min foi emitido um aviso “alerta”, que é grau máximo, para Itapiranga, Iporã do Oeste, Tunápolis e Mondaí. As cidades de Belmonte e Descanso não foram citadas.

Ernani de Lima Nascimento, professor de meteorologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e especialista em tempestades severa, pondera que no Brasil ainda não há um protocolo específico para esse tipo de alerta. Nascimento foi um dos consultados pela Defesa Civil para que o órgão mudasse seu posicionamento sobre os ventos que ocorreram no Oeste.

Na sexta-feira pela manhã a informação era de que o tornado havia sido inicialmente descartado, mas no final da tarde o colega e meteorologista, Leandro Puchalski, divulgou imagens que comprovaram o fenômeno. Horas depois, na madrugada de sábado, a Defesa Civil emitiu uma nova nota confirmando a ocorrência.

Tempo curto

A principal dificuldade para o alerta, afirma o especialista, está no curtíssimo tempo em que os tornados são registrados no radar. No caso do Oeste, Nascimento diz que não havia ainda feito a análise de quantos minutos antes foi possível perceber que os ventos poderiam ocorrer. Mas, segundo ele, a média varia entre cinco e 30 minutos de antecedência. Como divulgar essa informação em tão pouco tempo e mobilizar as pessoas é um dos principais desafios:

– Caso o meteorologista tenha identificado, qual era o próximo passo, qual é o protocolo, para que o comunicado de cinco, 10 minutos, chegue ao usuário. Não sei se existe um protocolo de curtíssimos prazos. Isso exige uma infraestrutura, envolve comunicação, sociologia, psicologia, estrutura municipal. Qual a opção a pessoa teria em Descanso para buscar abrigo? – exemplificou o professor.

Treinamento para os meteorologistas

Na identificação do tornado está outro ponto importante destacado pelo especialista. Para ele, os profissionais no Brasil precisam ser treinados para a avaliação dos cenários. Dentro da meteorologia há uma diferença entre a previsão a curto prazo, chamada de “nowcasting”, e a de longo prazo, conhecida como “sinótica”. Nascimento lembra que somente recentemente passou a se incluir a formação dos meteorologistas para “nowcasting”. Um dos exemplos da diferença de atuação é que durante uma ocorrência de tempestade no radar, o profissional precisa estar focado a todo instante em analisar as imagens.

O meteorologista da NSC Comunicação, Leandro Puchalski, destaca que os profissionais do monitoramento já deveriam ter recebido treinamento antes do funcionamento dos radares. Segundo ele, os meteorologistas “estão aprendendo na prática”. Puchalski anda traz um alerta importante sobre os métodos construtivos:

– Vejo que é extremamente necessária uma discussão sobre engenharia. O Oeste de SC está na região que é a segunda no mundo inteiro com a maior frequência de tornados. As casas ou pelo menos as cidades precisam ter abrigos anti tornados como temos nos EUA. É uma discussão que precisa evoluir. Não podemos, como na última semana, não ter mortes puramente por sorte e não por prevenção.

Em resumo, Nascimento faz uma comparação entre a atual situação de saúde do mundo com o monitoramento e alerta de tornados. Para ele, assim como no caso do coronavírus, o país está ainda “aprendendo”:

– Temos um longo caminho pela frente. O investimento é muito recente, estamos nessa fase de aprendizado. É importante o investimento em treinamento. Também acredito na educação ambiental, educar as crianças nas escolas para saber o que fazer. Temos um longo caminho, mas os primeiros passos estão sendo dados.

Chefe da Defesa Civil avalia atuação

Para o chefe da Defesa Civil em Santa Catarina, João Batista Cordeiro Junior, o trabalho dos profissionais no monitoramento e alerta foi “excepcional”. Ao avaliar a ação, ele pondera a dificuldade na avaliação do tornado:

– Vejo uma evolução nesse processo em Santa Catarina. Melhorou muito o trabalho e a avaliação desses profissionais. Nessa situação conseguimos dar um alerta máximo para a questão da tempestade severa com duas horas de antecedência. O trabalho foi excepcional. Exista dificuldade de fazer essa avaliação (de tornado), se consegue fazer a avaliação com antecedência de 10 minutos”.

Na mesma linha de Nascimento, Cordeiro Junior admite que ainda pontos a avançar e fala que haverá melhora “cada vez mais, não só para tornado”. Investimento para especializar os profissionais e treinamento também está nos planos.

Além disso, em relação ao alerta para as pessoas, o chefe da Defesa Civil afirma que há uma discussão com o governo federal para que as emissoras de televisão exibam um recado em tempo real, assim como ocorre nos Estados Unidos. Atualmente, segundo ele, há o SMS, grupos de WhatsApp com radialistas e alerta em canais fechados de TV.

Sobre a mudança de posição em relação ao tornado na sexta-feira, Cordeiro Junior diz que confia na equipe. Segundo ele, as imagens no local não apontavam um tornado: “não era fácil”. A primeira avaliação, afirma, foi de microexplosão. Depois, com a análise das imagens foi possível constatar que foi um tornado.

Fonte: NSC