O Senado aprovou nesta quarta-feira (24) o projeto que institui o novo marco legal do saneamento básico e facilita a ampliação da participação privada no setor. O texto, aprovado por 65 votos a 13, segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro.
A proposta tem como objetivos a universalização do saneamento (prevendo coleta de esgoto para 90% da população) e o fornecimento de água potável para 99% da população até o fim de 2033 (veja mais abaixo todos os detalhes do projeto).
O novo marco legal do saneamento vem sendo discutido no Congresso Nacional desde 2018. Duas medidas provisórias sobre o tema já foram editadas, mas perderam a validade por falta de consenso entre os parlamentares sobre o texto a ser aprovado.
A proposta em votação nesta quarta reúne pontos dessas duas MPs, de um projeto do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e de um texto encaminhado pelo governo à Câmara no ano passado.
O novo marco legal foi aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro do ano passado.
Atualmente, o saneamento é prestado majoritariamente por empresas públicas estaduais. O novo marco legal visa aumentar a concorrência.
Segundo o Ministério da Economia, o novo marco legal do saneamento dever atrair “mais de R$ 700 bilhões em investimentos” e gerar, “em média, 700 mil empregos no país” nos próximos 14 anos.
‘Precariedade’
A pandemia do novo coronavírus expôs as falhas no serviço de saneamento básico no Brasil. Medidas de higiene, como a lavagem das mãos, estão entre as formas mais importantes de prevenção à doença, mas grande parte da população encontra dificuldades para segui-las.
Em março, estudo do Instituto Trata Brasil e da GO Associados obtido pelo G1 informou haver quase 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada e mais de 100 milhões sem coleta de esgoto.
Além disso, menos da metade (46%) do esgoto gerado nos país é tratado.
Outro estudo obtido pelo G1 e pela TV Globo, mostrou que, em 2018, o desperdício de água chegou a 6,5 bilhões de metros cúbicos de água, o equivalente a 7,1 mil piscinas olímpicas desperdiçadas por dia.
Além disso, como essa água não foi faturada pelas empresas responsáveis pela distribuição, os prejuízos econômicos chegaram a R$ 12 bilhões, o mesmo valor dos recursos que foram investidos em água e esgoto no Brasil durante todo o ano.
O senador Tasso Jereissati diz que a situação do saneamento básico no país é de “precariedade” e que a aprovação do projeto para o setor é “urgente”.
“A atual crise sanitária causada pela pandemia da Covid-19 torna ainda mais urgentes as mudanças propostas, na medida em que evidenciou a vulnerabilidade das pessoas que não dispõem de acesso a água potável, esgotamento sanitário e coleta de resíduos sólidos”, disse Tasso.
“Enquanto órgãos de saúde pública de referência no plano internacional e no Brasil recomendam que se lavem as mãos com frequência para evitar a contaminação com o coronavírus, temos 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada. Um grande e potencialmente letal paradoxo”, emendou o senador.
Principais pontos
Saiba os principais pontos do projeto:
Responsabilidade pelo serviço
Pelo texto, exercem a titularidade dos serviços públicos de saneamento:
- os municípios e o Distrito Federal, no caso de interesse local;
- os estados, em conjunto com os municípios que compartilham efetivamente instalações operacionais integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, instituídas por lei complementar estadual, no caso de interesse comum.
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O projeto também permite a criação de consórcios públicos e convênios de cooperação entre municípios vizinhos para a prestação do serviço.
De acordo com Tasso Jereissati, a proposta permite o estabelecimento de blocos regionalizados de municípios com o objetivo de se obter ganhos de escala e de se garantir viabilidade econômico-financeira dos serviços, para se atingir à universalização dos serviços.
“A prestação regionalizada, por incluir municípios mais e menos atraentes e não necessariamente contíguos em um mesmo território de prestação, afasta o risco de que qualquer deles, por mais pobre e pequeno que seja, fique fora do processo de universalização”, sustenta o relator.
Entre outros pontos, caberá aos responsáveis:
- a elaboração dos planos de saneamento básico e o estabelecimento de metas e indicadores de desempenho e mecanismos de aferição de resultados;
- prestar diretamente os serviços, ou conceder a prestação deles, e definir a entidade responsável pela regulação e fiscalização;
- estabelecer os direitos e os deveres dos usuários;
- implementar sistema de informações sobre os serviços públicos de saneamento básico.
Licitação obrigatória
Pela proposta, não será mais possível fechar os chamados contratos de programa para a prestação de serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
Os contratos de programa são firmados sem concorrência e celebrados diretamente entre os titulares dos serviços e as concessionárias. Essa modalidade de contrato é utilizada na prestação de serviço pelas companhias estaduais de saneamento.
O texto determina a abertura de licitação, com a participação de empresas públicas e privadas, e acaba com o direito de preferência das companhias estaduais.
Segundo Tasso Jereissati, há a previsão, no texto, de renovação dos contratos de programa vigentes. Nesse caso, o prazo máximo estabelecido para os novos contratos será de 30 anos.
De acordo com a proposta, os contratos celebrados deverão estabelecer metas de:
- expansão dos serviços;
- redução de perdas na distribuição de água tratada;
- qualidade na prestação dos serviços;
- eficiência e uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais;
- reuso de despejos.
Universalização do saneamento
O projeto fixa como prazo para universalização dos serviços de saneamento a data de 31 de dezembro de 2033, de modo que até essa data o país tenha:
- 99% da população com acesso à água potável;
- 90% da população com acesso ao tratamento e à coleta de esgoto.
Segundo o relator, esse prazo poderá ser acrescido de mais sete anos, chegando ao fim de 2040, nos casos em que se comprove inviabilidade técnica ou financeira.
“Se determinados municípios e determinadas regiões comprovarem que, se para alcançar esse fim de universalização, em 2033, as tarifas terão que ser sobrecarregadas para se fazer esse equilíbrio, esse prazo será estendido por mais sete anos e, portanto, para 2040”, disse Tasso.
Pelo texto, caso a universalização não seja atingida dentro desse prazo, a distribuição de dividendos por parte da prestadora será proibida, e o contrato caducará, devendo o município ou região retomar o serviço.
Comitê
O projeto cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico (Cisb), um colegiado que, sob o comando do Ministério do Desenvolvimento Regional, tem a finalidade de assegurar a implementação da política federal de saneamento básico e de articular a atuação de órgãos e entidades federais na alocação de recursos financeiros em ações de saneamento básico.
Licenciamento ambiental
De acordo com a proposta, caberá aos municípios promoverem o licenciamento ambiental das atividades, empreendimentos e serviços de saneamento básico.
Agência Nacional de Águas
O texto prevê que a Agência Nacional de Águas deverá estabelecer normas de referência sobre:
- padrões de qualidade e eficiência na prestação, na manutenção e na operação dos sistemas de saneamento básico;
- regulação tarifária dos serviços públicos de saneamento básico;
- padronização dos contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico;
- redução progressiva e controle da perda de água.
Fim dos lixões
A lei em vigor previa que os lixões deveriam acabar em 2014. Agora, a lei determina como prazo 31 de dezembro de 2020.
Esta data não vai valer para os municípios com plano intermunicipal de resíduos sólidos ou plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos.
Para esses casos, os prazos vão variar de agosto de 2021 a agosto de 2024, dependendo da localização e do tamanho do município.
A sessão
Saiba o que disseram os senadores durante a sessão (por ordem alfabética):
Alvaro Dias (Pode-PR), líder do partido: “Quinze mil brasileiros são sepultados em decorrência da ausência desse serviço; e 350 mil brasileiros são internados […]. Não se entrega o filé mignon e se deixa a carne de pescoço, como se diz popularmente. Os pequenos municípios estão protegidos pelo sistema adotado de privatização, que vai permitir ao estado regionalizar e mesmo avançar além da Região para atender determinados municípios, numa composição de setor público e privado, que promove o avanço e que nos retira do atraso.”
Eduardo Braga (MDB-AM), líder do partido: “Vamos, em medidas provisórias ou em projetos de lei autônomos, buscar as garantias que precisamos dar para que as pequenas cidades, mais pobres, com IDHs mais baixos etc., e que não terão atratividade econômico-financeira para o investimento privado, estas cidades possam receber, ou através da prefeitura, ou através do estado, de alguma maneira, pela política pública, investimentos para garantir a esses brasileiros acesso à água e ao esgotamento sanitário.”
Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado: “Não há recursos públicos suficientes para atingir as metas de universalização, que vão exigir investimentos da ordem de quase R$700 bilhões. Nesse sentido, o novo marco do saneamento tem o potencial de atrair vultosos investimentos e gerar milhares de empregos. O senador Tasso informou que se estima a geração de 60 mil postos de trabalho para cada R$1 bilhão investido no setor de saneamento.”
Kátia Abreu (MDB-TO): “São vergonhosos para todos nós os índices de saneamento básico que o Brasil possui, sendo a oitava economia mundial. É inadmissível. E aqueles que não gostam da privatização – não vou entrar no mérito – pensem que estão fazendo por falta de opção; se não fazem por gosto, é por necessidade. O público – os Estados, os Municípios e a União – não tem dinheiro para fazer o saneamento na rapidez de que precisamos.”
Mecias de Jesus (Republicanos-RR), líder do partido: “Se a privatização é para atrair recursos privados e diminuir gastos públicos, certamente, tenham certeza, vai acontecer o contrário, principalmente aqui no estado de Roraima. Assim, aprovar a privatização seria condenar a população do interior de Roraima a ficar sem água e sem saneamento, e ainda ver aumentar o valor da conta de água e da tarifa de esgoto e de saneamento tanto na capital quanto no interior, como aconteceu com a tarifa de energia.”
Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator: “É possível que, numa crise como essa que estamos vivendo, os ativos estejam de tal maneira desvalorizados, em que eles venham a ser ou privatizados ou comprados a um preço irrisório. Mas, com isso, eu estou querendo mostrar que um projeto como esse não vai durar para se chegar a algum tipo de concretude antes de um ano e meio, no mínimo, a dois anos.”
Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB), líder do partido: “Eu não tenho a certeza e a segurança de que essa universalização, que é tão rica, que é tão proliferada, que é tão exemplificada, chegará, de fato, aos rincões, aos grotões. Eu não tenho essa segurança.”
Weverton Rocha (PDT-MA), líder do partido: “Infelizmente às cidades pequenas, principalmente do Norte e do Nordeste, nós sabemos que esses investimentos não vão chegar, como foi aqui falado. É um projeto que vai beneficiar os grandes centros, claro, onde as grandes empresas têm interesse de investir, mas no entorno nós vamos continuar ainda à margem, ainda na dificuldade e, quem sabe, não sabemos ainda nem mensurar o prejuízo que vamos ter quanto à questão da tentativa de levar a política de saneamento de água para essas cidades menores e menos assistidas.”
Fonte: G1