O presidente Jair Bolsonaro anunciou na quinta-feira (25) Carlos Alberto Decotelli como novo ministro da Educação. Ele assume a vaga de Abraham Weintraub, que uma semana antes havia anunciado a saída do cargo. Oficial da reserva da Marinha, ele é o primeiro ministro negro do governo e sua nomeação tem significados diversos.
Terceiro ministro da Educação do atual governo, Decotelli é visto com um perfil diferente dos antecessores. Weintraub, que estava no cargo desde abril de 2019, e Ricardo Vélez, que ocupou a cadeira entre janeiro e abril de 2019, pertenciam ao grupo que se convencionou chamar de “ala ideológica” do governo, pela proximidade com as ideias do polemista Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo.
Uma fase de moderação
A escolha por um perfil apaziguador é um aceno de paz. Após o presidente e sua equipe protagonizarem ameaças de ruptura institucional — Weintraub chegou a defender a prisão de ministros do Supremo e chamá-los de “vagabundos” —, os movimentos agora são moderados, com uma tentativa de reaproximação do Judiciário e do Legislativo para diminuir a crise política que paira sobre o atual governo.
O anúncio do novo ministro foi feito por Bolsonaro em sua página no Facebook. Decotelli foi presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) entre fevereiro e agosto de 2019, mas foi demitido para dar lugar a Sérgio Dias, indicado do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Dias foi demitido em dezembro do mesmo ano e agora o cargo está nas mãos do centrão, grupo parlamentar no qual Bolsonaro se escora para garantir apoio no Congresso.
Em entrevista à CNN Brasil no início da noite de quinta (25), Decotelli afirmou que “foi pego de surpresa” pelo convite. “O que ele [Bolsonaro] pontuou foi, primeiro: fazer uma gestão voltada para a educação da sociedade brasileira, conforme o marco regulatório da educação. Em segundo lugar, fazer o melhor diálogo com as entidades representativas da educação — as universidades federais, os centros técnicos. Melhor diálogo também com entidades de classe. Todos aqueles que querem fazer o melhor pela educação brasileira”, afirmou.
Qual a trajetória de Decotelli
Decotelli é bacharel em ciências econômicas pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), mestre em Administração pela FGV (Fundação Getulio Vargas), doutor em Administração Financeira pela Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, e pós-doutor em aplicabilidade de modelos quantitativos pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha.
Reconhecido pela interlocução com o mercado financeiro, ele foi criador do curso de gestão financeira corporativa no New York Institute of Finance. É coautor de livros com assuntos variados, como Matemática Financeira Aplicada (2009) e Gestão de Riscos no Agronegócio (2013), ambos publicados pela editora da FGV.
O novo ministro fez parte da transição de governo na gestão Bolsonaro junto à equipe do Ministério da Educação, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília.
Oficial da reserva da Marinha, Decotelli atuou como professor e coordenador da Escola de Guerra Naval, no Centro de Jogos de Guerra, na equipe do Almirante Almir Garnier.
O novo ministro da Educação também acumula participação na criação de alguns cursos no Ibmec, juntamente com Paulo Guedes, atual ministro da Economia. Guedes, inclusive, avalizou a chegada de Decotelli ao ministério.
Polêmicas no FNDE
Uma reportagem do site Metrópoles mostrou que Decotelli havia se ausentado do FNDE, entre fevereiro de julho de 2019, em 38 vezes dos 169 dias como presidente do órgão. Em média, segundo o portal, ele fez uma viagem a cada quatro dias.
A autarquia vinculada ao Ministério da Educação tem como função executar os principais programas de financiamento da educação básica, como os programas de merenda escolar, transporte escolar e o Programa Nacional do Livro Didático.
Segundo a reportagem, servidores do FNDE estavam insatisfeitos com projetos que não avançavam sob a gestão do agora ministro da Educação. A direção do fundo justificou, em nota, que as viagens colaboram com a “gestão estratégica” da pasta. Disse, também, haver “diversos projetos em fase de planejamento”. O MEC não se pronunciou à época.
Decotelli também era o presidente quando o FNDE publicou um edital, em 21 de agosto de 2019, no valor de R$ 3 bilhões. Poteriormente, o edital foi suspenso pela CGU (Controladoria-Geral da União), sob suspeita de irregularidades.
O edital, intitulado “Programa Educação Conectada”, previa a compra de computadores, notebooks, projetores e lousas digitais para alunos das redes públicas de ensino estaduais e municipais.
Dois dias após a publicação do edital, a CGU teve acesso ao processo. O órgão questionou, entre outras coisas, o número excessivo de computadores na planilha de custos — uma escola do município de Itabirito (MG), por exemplo, receberia mais de 30 mil computadores para 255 alunos.
Outro ponto de suspeita apresentado no relatório no órgão de controle foi o fato de o edital prever a compra de um “computador interativo”, composto de notebook, projetor e lousa digital. Para a CGU, não estava comprovado que o kit sairia mais barato do que a aquisição de cada produto separadamente. Além disso, poucas empresas no mercado vendem o tal kit, o que poderia diminuir a concorrência.
Decotelli foi exonerado no dia 29 de agosto de 2019. A nova gestão de Rodrigo Dias suspendeu o edital no início de setembro daquele ano e, um mês depois, o processo de compra dos equipamentos foi revogado pelo FNDE.
Em nota divulgada à época, o FNDE afirmou que “a CGU apontou algumas inconsistências no levantamento dos quantitativos, que foram corroboradas pela própria equipe técnica do FNDE”, e que o órgão se pauta pelos princípios “da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
As tarefas principais do ministro
O novo ministro tem algumas tarefas importantes pela frente. A primeira delas é conduzir o país para a retomada das aulas presenciais após a pandemia causada pelo novo coronavírus. Em São Paulo, por exemplo, as aulas devem voltar em 8 de setembro, segundo anúncio do governador João Doria (PSDB) na quarta-feira (24).
Há também o debate sobre a data de realização do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). No sábado (20), o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão vinculado ao MEC e responsável pela prova, abriu consulta pública para escolher novas datas para a realização da prova, que seria em novembro mas foi adiada por causa da pandemia.
Weintraub era contra o adiamento da prova, mas acabou cedendo por pressão de especialistas do setor e dos próprios estudantes, especialmente aqueles que não possuem acesso regular à internet e que, portanto, estão sendo prejudicados com a ausência de aulas presenciais.
De acordo com o Inep, os estudantes poderão escolher entre três opções: 6 e 13 de dezembro de 2020 (versão impressa) e 10 e 17 de janeiro de 2021 (versão digital); 10 e 17 de janeiro de 2021 (versão impressa) e 24 e 31 de janeiro de 2021 (versão digital) ou 2 e 9 de maio de 2021 (versão impressa) e 16 e 23 de maio de 2021 (versão digital).
Decotelli também precisará encontrar uma solução para o Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação básica no país. Criado em 2006, o órgão tem prazo de validade: 31 de dezembro de 2020. Há na Câmara dos Deputados uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), sob relatoria da deputada Professora Dorinha (DEM-TO), para torná-lo permanente.
Na terça-feira (23), Rodrigo Maia disse na Câmara que a PEC sobre o Fundeb deve ser votada nas próximas semanas. “Nós vamos trabalhar para aprovar o Fundeb nas próximas duas semanas, sabendo que o crescimento do valor vai ser um pouco mais lento do que seria antes da pandemia”, afirmou.
Pela proposta a ser votada na Câmara, os repasses da União ao fundo subiria já em 2021 para 15%. Atualmente ela é de 10%. O restante da verba que mantém o fundo é obtido a partir de um conjunto de 27 fundos (um por estado, considerando o Distrito Federal) que redistribui os recursos oriundos dos principais impostos.
Segundo a proposta que tramita na Câmara, a cada ano essa contribuição aumentaria mais um ponto percentual, chegando até 20% num período de seis anos. Esse modelo escalonado desagradava Weintraub, que desejava menor dependência do órgão em relação ao governo federal.
As disputas em torno do MEC
As gestões anteriores no MEC, com Ricardo Vélez e Abraham Weintraub, foram marcadas por imobilismo, insultos públicos a adversários e uma agenda de “guerra cultural”.
Vélez durou três meses no cargo, entre janeiro e abril de 2019. Sua escolha, ainda em 2018, após Bolsonaro vencer as eleições, foi conturbada, já que Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, era o preferido para o cargo. O nome de Ramos, no entanto, foi rejeitado pela bancada evangélica, fiadora do governo.
Desconhecido no meio educacional, Vélez foi indicado a Bolsonaro por Olavo de Carvalho. Sua gestão ficou marcada pelo email enviado às escolas públicas e particulares no final de fevereiro de 2019 solicitando aos diretores que lessem uma carta do ministro aos alunos, professores e demais funcionários.
Os estudantes deveriam permanecer perfilados diante da bandeira do Brasil para a execução do hino nacional no momento da leitura do documento, que trazia, ao final, o slogan de campanha de Bolsonaro. A mensagem também solicitava que a cena fosse gravada em celulares e enviada à pasta, com os dados da escola. A medida foi abortada após receber duras críticas.
Assim como Vélez, Weintraub, que permaneceu no cargo abril de 2019 a junho de 2020, era uma das figuras mais contestadas do primeiro escalão do governo federal, mas agradava aos setores mais radicais dos apoiadores do presidente, incluindo os filhos de Bolsonaro.
Sua situação ficou praticamente insustentável a partir de maio de 2020, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, divulgou a íntegra de uma reunião ministerial ocorrida no Planalto no mês anterior. O material, originalmente, serviria como prova no inquérito que apura suspeitas de interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal. Mas trouxe bem mais que isso.
Num dos trechos, Weintraub chama os integrantes do Supremo de “vagabundos” e defende mandá-los para a prisão. No dia 14 de maio, o então ministro da Educação se encontrou em Brasília com militantes radicais, que são alvo de um outro inquérito criminal no Supremo. Além de se solidarizar com os bolsonaristas, Weintraub reafirmou os ataques ao tribunal. A ideia de sua demissão, a partir daí, ganhou força no Planalto.
Weintraub foi demitido e, como bônus, ganhou uma indicação para o cargo de diretor-executivo no Banco Mundial. Apesar dos protestos de membros da entidade, sua nomeação deverá ser consolidada. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, a Associação de Funcionários do Banco Mundial afirmou que a escolha de Weintraub expõe a organização a “um risco de reputação considerável”.
O ex-ministro é alvo de um inquérito aberto em 14 de abril a pedido da Procuradoria-Geral da República para investigar suposto ato de racismo do então ministro. Em postagem numa rede social no dia dia 4 de abril, Weintraub usou o personagem Cebolinha, da Turma da Mônica, para fazer chacota da China. Na terça-feira (23), o ministro Celso de Mello decidiu enviar o inquérito para a primeira instância, já que Weintraub perdeu o foro privilegiado.
O Nexo publicou um texto em 18 de junho, data da demissão de Weintraub, mostrando como foi sua gestão no MEC. Além das polêmicas envolvendo o Fundeb, ele também ficou marcado pelas falhas do Enem em 2019, quando 172 mil estudantes relataram problemas em suas notas. O MEC reconheceu que 5.974 candidatos tiveram erros na contagem das notas por uma falha mecânica na gráfica.
Fonte: Nexo Jornal