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Os benefícios de falar com estranhos

Nos últimos meses, com a quarentena decretada devido à pandemia do coronavírus, muitas pessoas perderam esses encontros diários (Foto: Gracia Lam/The New York Times)

*Por Jane E. Brody

Sou uma extrovertida de longa data, e prontamente estabeleço contatos casuais com pessoas que encontro no dia a dia: quando passeio com meu cachorro, faço compras, me exercito na Y Academy e até quando varro minha calçada. Essas conexões efêmeras adicionam variedade à minha vida, são uma fonte de informações úteis e muitas vezes fornecem um suporte emocional e físico necessário. E o mais importante: elas quase sempre me deixam com um sorriso no rosto (embora agora escondido sob a máscara).

Nos últimos meses, com a quarentena decretada devido à pandemia do coronavírus, muitas pessoas perderam esses encontros diários. Eu, por outro lado, tentei manter o maior número possível deles, ao mesmo tempo que garantia minha segurança. Com os encontros com a família e com os amigos próximos agora limitados por um desejo mútuo de evitar a exposição à Covid-19, os breves contatos a distância com as pessoas do meu bairro, tanto as que conheço casualmente há anos quanto as outras que acabei de conhecer, são cruciais para meu bem-estar emocional e talvez até mesmo para minha saúde.

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Os benefícios que associo às minhas conexões casuais foram reforçados recentemente por uma descoberta fortuita. Durante uma faxina inspirada na Covid, encontrei na minha biblioteca um livro chamado “Consequential Strangers: The Power of People Who Don’t Seem to Matter… but Really Do” (Estranhos Importantes: o poder das pessoas que não parecem importar… mas que de fato importam). Publicado há 11 anos, esse volume esclarecedor foi escrito por Melinda Blau, especialista em ciências, e Karen L. Fingerman, atualmente professora de Psicologia da Universidade do Texas, em Austin, que estuda a natureza e os efeitos dos chamados laços tênues que as pessoas têm com outras na vida: o barista que traz o café, a pessoa que corta o cabelo, o proprietário do mercado local, as pessoas que costumam ver na academia ou na estação de trem.

Em uma entrevista, Fingerman observou que as conexões casuais com pessoas que encontramos no dia a dia podem nos dar a sensação de que pertencemos a uma comunidade, algo que ela descreveu como “uma necessidade humana básica”.

Como ela e Blau escreveram em seu livro: “Estranhos importantes são tão vitais para nosso bem-estar, nosso crescimento e nossa existência cotidiana quanto a família e os amigos próximos. Esses estranhos nos ancoram no mundo e nos dão a sensação de estarmos ligados a algo maior. Também melhoram e enriquecem nossa vida e nos oferecem oportunidades de novas experiências e informações que estão além da alçada de nosso círculo íntimo. São conexões sociais vitais – pessoas que ajudam você a enfrentar o dia e tornam a vida mais interessante.”

Minha tendência de “conversar” com os estranhos que venho encontrando ao longo da vida resultou em uma série de conhecidos que encheram meus dias de gentilezas, conselhos, informações, assistência necessária e, o mais importante de tudo durante esse tempo de semi-isolamento forçado, um valioso senso de conexão com pessoas que compartilham meu ambiente.

Os bloqueios da Covid-19 têm feito com que nos lembremos da importância dos relacionamentos para nossa qualidade de vida – não apenas com amigos e familiares que amamos e conhecemos bem e que nos conhecem bem, mas também com os mais casuais, que nos ajudam a manter uma perspectiva positiva durante tempos sombrios e angustiantes.

A pesquisa de Fingerman também mostrou que as pessoas mais socialmente integradas também são mais ativas fisicamente. “Ser sedentário pode matá-lo. Você precisa se levantar e se mover para estar com as pessoas que encontra quando se exercita”, recomendou. Os estranhos também ajudam seu cérebro, segundo ela, porque “as conversas são mais estimulantes do que aquelas com pessoas que você conhece bem”.

Uma colega pesquisadora da área, Katherine L. Fiori, presidente da graduação em Psicologia da Universidade Adelphi, que estuda redes sociais de idosos, descobriu que as atividades que promovem “laços mais fracos” do que os que se formam com familiares e amigos próximos estimulam uma satisfação maior com a vida e uma melhor saúde emocional e física.

“Quanto maior o número de laços mais fracos, mais forte a associação com sentimentos positivos e menos sentimentos depressivos. Claramente, não é verdade que os laços estreitos são tudo de que os idosos precisam”, disse Fiori em entrevista.

E não apenas os idosos, mas todos os adultos. Fingerman afirmou que as pesquisas mostraram que, em geral, “as pessoas se saem melhor quando têm um grupo mais diversificado de contato na vida”. Mas, como Fiori observou: “Infelizmente, a Covid reduziu severamente nossa capacidade de manter os laços mais fracos. Pode ser preciso muito esforço para fazer isso on-line.”

Quando a Covid-19 chegou com fúria à cidade de Nova York, muitas pessoas que eu conhecia que tinham uma casa de veraneio “escaparam” da cidade na esperança de evitar o vírus. Escolhi, por outro lado, ficar no meu bairro do Brooklyn, onde todos os dias encontrava pessoas que eu conhecia casualmente, bem como outras da extensa rede de amigos e conhecidos que eu tinha na Y Academy, em lojas locais e quando caminhava e pedalava no Prospect Park.

Em minha casa de campo, especialmente durante os dias escuros e frios do início da primavera, eu teria me sentido muito mais isolada. Sim, eu poderia passear com meu cachorro e andar de bicicleta sem ter de usar máscara porque não encontraria quase ninguém no caminho. Mas também teria me privado de conversas com os muitos “estranhos importantes” que encontrei diariamente durante meus passeios pelo Brooklyn, incluindo o ritual das 19h em apoio aos nossos trabalhadores essenciais.

Para combater a solidão e manter suas muitas conexões casuais, uma das minhas amigas da Y começou um e-mail em grupo que não só preenchia as conversas diárias que ela estava perdendo, mas também lhe dava um sistema de apoio contínuo quando teve de tratar de uma lesão e lutava contra a tristeza do confinamento.

Em seu livro, Blau e Fingerman enfatizam a importância de criar – e estar em – ambientes que promovam relacionamentos com estranhos importantes. Décadas atrás, quando o “The New York Times” dividiu a redação em cubículos, isso destruiu um ambiente propício para compartilhar informações e promover a camaradagem, o que me levou a trabalhar em casa na maioria dos dias e a economizar o tempo e o esforço necessários para me vestir para o trabalho e me deslocar. Suspeito que, quando as limitações da Covid finalmente acabarem, muitos trabalhadores de escritório farão o mesmo, sacrificando relacionamentos casuais.

Como as autoras escreveram: “Onde vivemos, trabalhamos, fazemos compras e nos misturamos tem tudo a ver com os laços fracos que cultivamos e, portanto, com nossa qualidade de vida.” E descreveram assim o tema central de seu livro: “Conhecidos casuais nos inspiram a nos aventurar além de nossa zona de conforto.” E, se não fizermos isso, nunca saberemos o que podemos ganhar com relacionamentos com “pessoas que não parecem importar”.

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Fonte: NSC