Nesta terça-feira (2), o Brasil entrou para um grupo tão seleto quanto indesejável. Ao cruzar a barreira das 30 mil mortes por coronavírus, coloca-se ao lado de Estados Unidos, Reino Unido e Itália na lista de países que enterraram uma quantidade de vítimas do novo vírus equivalente à população de uma cidade do porte de Flores da Cunha, na Serra.
A diferença em relação aos demais integrantes desse clube do qual ninguém deseja fazer parte é que as outras nações ultrapassaram esse patamar quando já haviam superado o pico de óbitos diários causados pela pandemia — nos EUA, isso ocorreu na mesma data. Projeções matemáticas e avaliações de epidemiologistas indicam que os brasileiros ainda devem testemunhar um agravamento da pandemia.
Por isso, segundo projeções do centro americano que assessora a Casa Branca e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em relação ao coronavírus, o número de mortes poderia quadruplicar e chegar a 120 mil até o começo de agosto.
Estimativa do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME) da Universidade de Washington aponta que podem ocorrer 120.242 óbitos até o final de julho, e 125 mil até 4 de agosto. A margem de erro do estudo, porém, é ampla. O número final até o fim do próximo mês poderia variar entre 65,9 mil e 212 mil.
Até a semana passada, a mesma organização esperava 88 mil mortes no país. A atualização nos dados usados para antecipar os rumos da covid-19 previu ainda que, especificamente no Rio Grande do Sul, até o último dia de julho essa cifra pode chegar a 1.087 vítimas. É preciso cuidado ao levar em consideração esses cálculos, já que nem sempre informações como o número de novos casos são confiáveis, e mudanças no comportamento da população alteram o ritmo de contágio.
Em 23 de maio, o IHME previu que 264 gaúchos teriam morrido por coronavírus até 1º de junho. O número verificado de fato, conforme a Secretaria Estadual da Saúde, foi 232 — erro de 13,8% para mais. A previsão nacional indicava que ocorreriam 32 mil óbitos até a mesma data, tendo ocorrido erro de 8,2% a mais. Se esse percentual se repetir, ainda assim o Brasil registraria mais de 100 mil mortes ao final do período analisado.
— Não arrisco um número, mas tudo indica que ainda não passamos pelo pior momento da pandemia, e as mortes devem continuar aumentando. Não é o que gostaríamos, mas é o que se espera no momento — analisa o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry.
Professor do Instituto de Informática da mesma universidade e pós-doutor na área da computação, João Comba ajudou a desenvolver uma ferramenta que compara o avanço da pandemia em diferentes regiões do planeta e projeta números da doença. Por esse sistema, o país chegaria ao final deste mês com 1,5 milhão de casos e perto de 40 mil mortes.
— Há modelos mais sofisticados do que o nosso, mas temos alcançado uma boa margem de acerto. A partir de agora, na verdade tudo depende de como as coisas vão evoluir — afirma Comba.
Comparando-se o Brasil com os demais países campeões de mortes por covid-19, um indicador é ligeiramente mais favorável: o país levou um pouco mais tempo para chegar ao patamar de 30 mil, ou seja, controlou melhor a doença nas fases iniciais. Foram 77 dias, contra 76 da Itália e 69 nos EUA, por exemplo.
O dado negativo é que a Itália já havia superado o pico de mortes 42 dias antes de atingir essa marca em 8 de maio. Ou seja, a pandemia já encolhia significativamente. Por isso, o número não subiu muito mais do que isso desde então e, até esta terça (2), permanecia em pouco mais de 33 mil óbitos. O Reino Unido atingiu 30 mil mortos 15 dias depois de ter registrado o maior número diário de vítimas. Até agora, segue abaixo de 40 mil.
A dúvida é quantos mortos a mais os brasileiros ainda vão contar além dos 30 mil que já compõem a cruel estatística do coronavírus.
Fonte: Gaúcha