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Nêne, que morreu de Covid-19, integra a história do futebol e da vida social chapecoense

Rui Trindade morreu aos 82 anos – Foto: Arquivo Pessoal/ND

Após Rui Trindade morrer de Covid-19 no dia 26 de maio, inúmeras homenagens tomaram as redes sociais lembrando do “Seu Nêne”, como era carinhosamente conhecido pelos amigos do café Santa Terezinha, no Centro de Chapecó.

Em mais de oitenta anos de vida, Nêne deixou um legado não só para a vida social da cidade, mas também para a história do futebol chapecoense e para sua família. “Para muitos ele é apenas o quarto óbito de Chapecó. Mas para nós, era a nossa vida” conta a filha, Roberta Trindade.

“O melhor centroavante que pisou em Chapecó”

Nêne é natural do município gaúcho de Erechim, mas se mudou para Chapecó com apenas 15 anos, após perder os pais. Isso foi no final da década de 50, e ele era conhecido pelos amigos como “o melhor centroavante que pisou em Chapecó naquela época” lembra a esposa Ilda Zacarias.

Dentre a lista de times dos quais Nêne vestiu a camisa estão Grêmio Esportivo Comercial e o Independente Futebol Clube, de Chapecó – que depois se tornou a Chapecoense. Por alguns anos ele também jogou no Ypiranga Futebol Clube, isso quando voltou a morar em Erechim.

A vida como jogador teve um ponto final após ele sofrer uma lesão no joelho, isso foi em 1965. Durante as décadas seguintes, ele contava as histórias de centroavante durante as tardes, no Santa Terezinha. Quando não acreditavam, ele mostrava um álbum chamado “Desbravadores do Futebol”, com imagens dos times daquela época.

(Dá esq à dir) – Fotos dos times Independente Campeão e Grêmio Grêmio Esportivo Comercial. A seta amarela indica a
posição de Rui no time – Foto: Desbravadores do Futebol/Divulgação/ND

Bar e café Santa Terezinha

Durante a década de 90, após trabalhar por alguns anos como taxista e caminhoneiro, Nêne comprou o Bar e Café Santa Terezinha, na avenida Getúlio Vargas, em Chapecó. Naquela altura o bar já estava aberto há 30 anos e o ex-centroavante o comandou por quase uma década e meia.

Após fechá-lo, já no início dos anos 2000, o bar foi reaberto como café, logo ao lado. O novo proprietário pediu se podia manter o nome do antigo bar, em homenagem.

Nêne deu não só o aval, mas dedicou boa parte da sua vida como cliente. Entre jogos, cantorias “de modas antigas enquanto tomávamos um cafezinho” (como lembra um amigo em uma postagem do Facebook) e histórias bem humoradas, o aposentado chegava cedo, e ia embora tarde.

“A vida dele era a avenida Getúlio Vargas”, conta a filha.

Família

Rui sempre foi um pai e marido presente, conta a família. Ele morava com a esposa Ilda, a filha Roberta e os dois netos, Murilo e Vinícius.

Era Nêne quem levava e buscava as crianças na escola e nos jogos de futebol. Ele sempre fazia todos rir com diversas histórias absurdas, as vezes inventadas, baseadas nos seus tempos de centroavante.

“Uma vez ele contou de um campeonato, no qual o time dele estava perdendo de 1 x 0. Nos últimos minutos do segundo tempo meu vô sofreu uma falta na área do gol. Quando foi cobrar o pênalti, já sem barreira, a bola era tão velha que rachou no meio. E o juiz contou dois pontos” lembra o neto Murilo Trindade Bianchi, de 13 anos.

 

Para o irmão mais velho, Rui era simultaneamente avô e pai. “Eu me espelhava nele, já tinha dito para ele que ele era meu pai”, lembra Vinícius, de 20 anos. Juntos, os dois compartilhavam o amor pelo Grêmio, time de coração da família.

O vídeo abaixo é um dos registros de Nêne que a família guarda com carinho. Ele foi gravado durante o aniversário de um dos seus filhos.

Partida

A outra faceta de Nêne é a paixão pelos filmes. Amante dos gêneros de suspense, terror e policial, ele sempre exigia os filmes “mais bem comentados e avaliados” na internet. “Filme abacaxi não” já avisava à filha.

Durante as semanas de quarentena, as obras da sétima arte foram o principal programa dos familiares.

Com a reabertura do seu lugar de estimação, mantê-lo em casa ficou difícil, lamenta a filha. “Ele ficou teimoso, mesmo quando falávamos que ele era de risco. Saía às 14h para ir no café e voltava às 16h” afirma a filha. Os familiares acreditam que foi nessas “fugidinhas” que ele contraiu a Covid-19.

E no dia 16 de maio o ex-centroavante, que não tinha outras comorbidades, foi internado no Hospital Regional do Oeste, ainda com suspeita de pneumonia. Os familiares e os médicos tinham esperanças que ele iria sair, e até chegaram anunciar a alta. Mas, repentinamente, o quadro dele piorou.

Na semana seguinte ele foi testado e a Covid-19 foi confirmada. Os médicos entubaram ele no dia 25 de maio, mas ele não resistiu.

Rui foi casado duas vezes. Do primeiro casamento, ele deixa três filhos, e do segundo, dois. Além de oito netos e dois bisnetos, e a companheira de vida, a esposa Ilda Zacarias. Seu Nêne deixa também inúmeros amigos.

Rui Trindade deixa esposa, cinco filhos, netos e bisnetos – Foto: Arquivo Pessoal/ND
Fonte: ND Mais