Site icon Barriga Verde Notícias

Não sentir ciúme não significa ser evoluído | Coluna Era Sol que me faltava

Coluna Era Sol Que Me Faltava - Foto: Solange Kappes/ Barriga Verde Notícias

Há entre o público jovem do consultório, um desejo diluído pelo sentimento de segurança. Segurança nos relacionamentos, no emprego, no estudo, na estima que são capazes de cultivar por si. No entanto, os elevados níveis de ansiedade que são um dado do cotidiano pós-moderno/contemporâneo [neste caso, refiro ansiedade como um fenômeno social, não como psicopatologia], somado a outros fatores e fenômenos como a individualização, o consumo e a rápida obsolescência do que se compra, a miríade de possibilidades e informações, a terceirização da vida, entre tantos outros, tornam o sentir-se seguro uma impossibilidade.

Não cientes dessa impossibilidade – apesar de bastante óbvia – e imersos no desespero de viver sem algo sólido para tatear ou fincar os pés, faz com que seja bastante natural – apesar de equivocada e triste – a busca por caminhos e ideias que venham prontos e eliminem a necessidade empreender esforços autônomos. E tudo isso leva para onde? Para uma aceitação cega daquilo que é afirmado, no momento, como correto. Um ‘correto’ que podemos tomar como sinônimo de bom, atual e evoluído.

É comum e frequentíssimo (basta ter redes sociais para confirmar) deparar-se com a venda de fórmulas para a felicidade e para ajudar a sentir-se menos ansioso e, consequentemente, mais seguro. Cito algumas: a moda do estoicismo (ou a deturpação que estão fazendo dele), minimalismo, filosofias de desprendimento (que são tudo, menos filosofia), etc. Cada um comercializando fórmulas que cabem em check-lists universais. Daí também as ideias de que é preciso ser super descolado, desencanado, não sentir ciúme, abrir-se para o misticismo, o veganismo, o amor-livre, não ter sentimento de posse sobre o amado, desapegar rapidamente, e por aí vai.

Evidentemente, todos são livres para decidir como desejam viver, o problema é acreditar que nestes modos supracitados está o suprassumo da evolução humana, de que viver deste modo implicará, necessariamente, em uma vida mais segura e feliz e de que querer viver algo diferente disso faz de você um atrasado ou não-evoluído. Atualmente, é quase uma obrigação agir desse modo, ou então, rapidamente se pode ser taxado de tóxico ou abusivo, o verdadeiro horror daqueles que ainda se arriscam nas relações.

Ninguém é moralmente superior ou subiu um grau na escala evolucionária porque não sente ciúme, é despegado ou porque autoriza o amado a viver como bem quiser. Em muitos casos (arriscaria afirmar que na maioria deles) tentar viver deste modo é consequência do medo da intimidade, do fracasso, dimensão negativa dos afetos e de dispor-se a viver algo exigente e difícil. Afinal, poucas coisas são tão características deste tempo como o desejo de viver o fácil e aquilo que exige baixo investimento. Ou seja, o discurso do amor limpinho, livre e desapegado serve bem aqueles que não desejam investir muito pelo medo de acordar, em um belo dia, e querer substituir ou ter sido substituído por um modelo mais novo.

Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
E-mail: psicologasolangekappes@gmail.com
Redes sociais:www.facebook.com/solange.kappes | Instagram: @solangekappes