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LUXÚRIA! o prazer que escraviza

Coluna | Era Sol que me faltava

 

Com imenso prazer chegamos ao final da sequência de crônicas sobre os sete pecados capitais. No último círculo do purgatório de Dante, o mais próximo do paraíso e, consequentemente, de Deus, habitam os luxuriosos, aqueles que em vida renderam-se e foram escravizados pelos prazeres da carne. Esta cornija do purgatório é tomada de densa fumaça, em razão de chamas inacabáveis que ardem muito próximo a um precipício. As almas que aqui estão purgando, são condenadas a andar em uma pequena trilha, entre as chamas e o precipício, com os olhos parcialmente cegados pela fumaça e entoando cânticos em que reconhecem seu pecado terreno. Interessante topografia e analogias, não é mesmo? 

Muito bem, a luxúria, também conhecida como o pecado do sexo, se caracteriza por um forte sentimento de obsessão, de falta de limite na necessidade sexual, que acaba por destruir a paz da alma. Como vimos na semana anterior, gula e luxúria são pecados irmãos por corresponderem aos prazeres do corpo, mas sobretudo porque alimentar-se e fazer sexo são necessidades, o limítrofe que faz adentrar ao pecado é a disfunção daquilo que é considerado natureza humana. 

A obsessão sexual não é passível de nuances de saúde, ela necessariamente produz a escravidão do desejo, a objetificação do outro como um objeto sexual do meu prazer, a destruição do meu cotidiano, a partir do momento em que fico tão aficcionada no corpo do outro, em ser penetrada por ele ou penetrá-lo, que não resta espaço para mais nada, não há como continuar em qualquer atividade que seja sem antes oferecer o alívio ao corpo. É inevitável que isto resulte em esvaziamento das demais dimensões da vida. Diz o Nelson Rodrigues: “O miserável tédio da carne”.

O pecado da luxúria é uma constante briga de forças, o desejo de fazer sexo com quem nos interessa e a necessidade de resistir ou dominar o desejo. Esta é uma luta que sempre perdemos, afinal o vício não permite o controle. Na compreensão do professor Luiz Felipe Pondé, experimentar a luxúria é uma experiência de aniquilamento moral. Traímos a nós mesmos para satisfazer um desejo escravizador. 

Outro preço que se impõe diante do pecado do sexo é a desarticulação das relações humanas. Percebamos, não parece possível manter vínculos afetivos quando se é escravo do sexo, principalmente em razão do fato do luxurioso tornar-se tão obsessivo que na falta de quem lhe interessa ele passa a aceitar qualquer um, apenas para suprir a necessidade física. 

Existe uma nuance de beleza neste pecado, isto me parece inegável, é o único em que a experiência estética, ou seja, sensorial, se direciona para o outro como um desejo de perder-se em seu corpo, na sua beleza, existe um jogo de encanto e apaixonamento que corrobora para a dependência do sexo, bem como para a objetificação do outro o que produz propensão a formas mais violentas de sexo, o que também pode ser altamente apreciado. 

No entanto, não há luxúria boa, o pecado nunca é bom, ele sempre é uma escravidão, sempre é uma prisão e sempre nos tira a autonomia e agride nossa alma e nesse caso também o corpo. Em outros tempos a condenação da sexualidade já foi muito maior e, ao que parece, isto produzia efeito reverso, afinal, pecado dá tesão. Na contemporaneidade, os discursos de livre sexualidade, percebidos inclusive como uma questão ideológica e política, buscam libertar os sujeitos de modo que possam experimentar mais livremente seu corpo e as formas de encontrar prazer nele. Agora, existem também contrapontos que afirmam que esta forma moderna de lidar com o sexo tem assumido contornos de uma nova forma de repressão. Pensemos nisso, ou acabaremos com sexo, por sermos limpos demais, liberados demais e desconstruídos demais. Estamos broxando. 

O sono e a luxúria – Gustave Courbet (1866)

 

Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
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