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“Eu não recebi pressão do setor produtivo”, afirma Moisés, sobre decisão de não decretar lockdown

Carlos Moisés: "A sociedade deve seguir usando máscara e evitando aglomerações" (Foto: Mauricio Vieira/Secom)

Diante das ausências e crises do presidente Jair Bolsonaro na gestão da saúde e da economia durante a pandemia do novo coronavírus, governadores ficaram com esses desafios. Em Santa Catarina, Carlos Moisés da Silva agradou a população, mas assustou o setor produtivo ao ser o primeiro do país a decretar emergência e medidas drásticas de restrição em 17 de março.

Assim, postergou o pico da pandemia para o momento atual e antecipou danos à economia. Agora, ao não decretar novo “lockdown”, causa reações contrárias: assusta a população e agrada o setor produtivo, que já registra atividade econômica acima da média do país.

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Em entrevista à coluna, Moisés negou que tenha sido pressionado pelo setor empresarial para evitar isolamento maior, o que era esperado para o dia 13. A informação sobre as novas restrições diante do avanço do coronavírus em SC foi trazida com exclusividade pelo colunista Ânderson Silva e o jornalista da NSC TV Raphael Faraco, no dia 12. Moisés manteve parcialmente esse posicionamento novamente no anúncio das medidas nesta sexta-feira (17), ao manter o foco regional.

Ao falar à coluna, o governador avaliou que a economia catarinense está se recuperando, mostrou preocupação com o impacto da crise internacional nas exportações, admitiu que há risco constante de o Estado ter que atrasar salários e negou que no primeiro ano de mandato evitou dialogar com o setor produtivo. Questionado se SC terá eventos de Réveillon e Carnaval, disse que é preciso ver a evolução da pandemia.

Existia a expectativa de que o governo do Estado decretasse “lockdown” na última segunda-feira (13), mas isso não aconteceu. O senhor foi muito pressionado por empresários para não adotar um isolamento estadual como no início da pandemia?

Eu não recebi qualquer tipo de pressão do setor produtivo. Na verdade, nós tínhamos uma convicção do que propusemos desde o início, que era a regionalização das ações, que isso dá muito certo desde que cada um assuma a sua responsabilidade. Tão logo a gente se manteve na mesma linha, algumas regiões já começaram a tomar frente dentro do que a gente entende como ideal de ações regionalizadas. Tivemos alguma coisa em Florianópolis, no Sul de SC… Nós entendemos que esse é o caminho porque o Estado é grande e diferente nos seus números. Temos o portal da transparência que mostra isso. Até houve reclamação de que o governo nunca esteve tão longe. Eu acho o contrário, nunca esteve tão perto, com informação, orientação, transparência de dados, relacionamento com hospitais municipais e hospitais filantrópicos. Eu fiz uma fala que talvez tenha sido mal interpretada. Houve uma crítica, na questão dos prefeitos. A Fecam sempre foi uma ótima parceira, mas tivemos questões pontuais. Teve município em que a gente tentou encaminhar a instalação de mais leitos para determinadas cidades e não houve receptividade. É que a gente fica imaginando que a constituição de um leito de UTI é simplesmente ter um leito, um respirador e um quadro de pessoal para atuar nele. Mas, além disso, precisa remunerar esse leito. Como a saúde tem várias facetas, tivemos dificuldades em avançar. Mesmo assim avançamos muito. Ampliamos em 70% o número de leitos de UTI no Estado.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu recentemente que a contaminação pelo novo coronavírus acontece também pelo ar, pelos chamados aerossóis. O governo vai mudar orientações de prevenção em função disso?

Algumas verdades têm que ser ditas. Eu, por exemplo, posso não ter contraído o novo coronavírus no ambiente de aviação, mas acredito que sim. Eu fiz quatro viagens em aeronaves distintas, em voos comerciais e, em seguida, três ou quatro dias depois, comecei a sentir sintomas e sinais da doença. Então, se fala que o ar recircula, por isso é inócuo. Mas só que até ele recircular, passa pelas pessoas. Especialmente num ambiente de aeronave, com ar próprio recirculando durante um voo. Acreditamos que acertamos muito quando lá, em 17 de março, suspendemos o transporte coletivo. A suspensão das aulas e do transporte coletivo deu resultado positivo para Santa Catarina. Obviamente, a suspensão de festas e eventos veio junto. Alguns estados não fizeram isso e pagaram um preço altíssimo. Então, considerando que tem partículas mais leves, os aerossóis, que também podem transmitir o vírus, a gente tem que evitar a presença dos vulneráveis em ambiente em que o ar recircula. Precisamos impedir que os grupos de risco sejam expostos a esses ambientes em que poderão se contaminar. Nós vivemos um dilema. Só vamos sair da pandemia quando a nossa população for imunizada. Sabemos que é difícil um bloqueio total porque as pessoas já estavam cansadas do isolamento. É preciso conciliar: cuidar dos vulneráveis e manter os números de acesso à saúde considerados bons. Nos preocupa o risco de colapso do sistema de saúde. A sociedade deve seguir usando máscara e evitando aglomerações.

Precisamos impedir que os grupos de risco sejam expostos a esses ambientes em que poderão se contaminar.

Qual é a expectativa do senhor para a economia de SC neste ano? O pior da crise já passou?

Eu acredito que a gente está recuperando a economia. A gente vê isso na geração de empregos. Se fazia uma expectativa catastrófica. Se falava que perderíamos meio milhão de empregos, 400 mil empregos, mas isso não aconteceu. Temos uma balança equilibrada. Temos empregos sendo ofertados em diversas regiões do Estado. É isso que mostra o Sine. A gente teve uma queda de arrecadação que reflete a atividade econômica. Foram R$ 2,250 bilhões a menos entre março e junho diante da expectativa de arrecadação que tínhamos, de um modo geral. No mês de junho, segundo dados da Secretaria da Fazenda, a arrecadação de ICMS chegou a R$ 1,93 bilhão. Em relação a junho de 2019, a gente teve uma perda de 15,6%. Inicialmente, tínhamos expectativa de que a economia deste ano seria parecida com a de 2017 ou um pouco menos, mas eu acredito que a gente vai reagir muito bem porque essa gestão que a gente fez desde o início da pandemia, de conciliar atividade econômica, manter regramento, manter as pessoas com esperança de continuar trabalhando, produzindo, tem dado bons resultados em dois aspectos, tanto na segurança da saúde das pessoas, quanto na economia de um modo geral. Nós já temos dados importantes para Santa Catarina. O varejo não teve tanta queda quanto se imaginava e as vendas pela internet também acabaram movimentando muito o mercado. Acho que nada será como antes. Tem muita gente fazendo as coisas por outros caminhos.

A grande dificuldade que eu vejo é na economia mundial como um todo. Como Santa Catarina exporta muito alimento, eu tenho uma esperança de que a gente conseguirá manter o nosso Estado equilibrado exportando bastante, tanto grãos quanto proteína animal, desde que a pandemia não atrapalhe a produção e prejudique o nosso relacionamento com esses países compradores. Por isso que a gente tem mantido regras sanitárias para agroindústrias desde o começo, para equilibrar a produção e não parar. Nós lidamos com animais vivos, temos que ter muito cuidado com cada etapa. Existe uma aproximação muito forte do governo com o setor produtivo, nós dialogamos semanalmente com os representantes das federações, construímos normas para setores específicos não pararem de trabalhar, com as participações das secretarias da Saúde, da Fazenda e da Agricultura, sempre lado a lado. Esperamos que a gente consiga continuar produzindo e mantendo a nossa economia estável porque a gente tem os compromissos públicos também para bancar, não só o salário do servidor, mas também pagar o fornecedor.

O Tribunal de Contas do Estado (TCE) alertou que existe o risco de atraso no pagamento da folha dos servidores em função da crise econômica, segundo informou a colunista da NSC, Dagmara Spautz. Existe esse risco mesmo?

Eu vi essa pontuação do Tribunal de Contas pela imprensa. Não cheguei a ter contato direto com a manifestação, mas nós entendemos que o tempo todo, para todos os estados, essa é uma questão presente. É quase uma obviedade que se os estados não conseguirem manter empregos, manter a economia girando, não fizerem economia nos cofres públicos, a boa gestão do dinheiro público, não suspenderem os aumentos salariais, poderão ter problemas. Os estados tiveram que se ajustar para poder aderir ao plano de ajuda federal, não puderam dar aumento aos servidores. Enfim, tudo isso é um pacote de medidas para que a gente não tenha atraso de salários, para que a gente consiga honrar com os outros compromissos públicos também. O governo já está vigilante sobre isso, a gente está conseguindo pagar os salários. Num primeiro momento, lá em março, abril e maio, a gente achava que teria atraso na folha por conta da queda de arrecadação. Isso não aconteceu por todas essas conjunturas: suspensão de pagamento da dívida, a ajuda do governo federal muito importante junto com a Câmara e o Senado, o alcance dessa ajuda para estados e municípios. A gente também está fazendo a nossa parte no Estado, cortando despesas, fazendo muita coisa com recursos próprios, sem elevar o endividamento.

Como estão os investimentos do Estado?

Nós temos mais de 100 obras lançadas em Santa Catarina. Elas estão em andamento. Temos muita coisa para entregar e a maioria delas é com recursos próprios. Parte são obras que estavam paradas há muitos anos, algumas de 2014, 2015, 2016 e 2017 que iniciaram e pararam, convênios com municípios enfim. Estamos pagando agora as emendas parlamentares. São mais de R$ 130 milhões de reais e a gente vai priorizar as da área da saúde. Esses recursos vão ajudar todos os municípios, hospitais municipais, hospitais filantrópicos. É um esforço visando o enfrentamento da pandemia mas, também, para ajudar a organizar o orçamento das prefeituras.

O senhor foi muito criticado no seu primeiro ano de mandato por fazer uma gestão fechada, com pouco diálogo com o setor empresarial. Mas, nos últimos meses, mostrou maior abertura. Essa nova postura vai continuar?

Eu acredito que a gente sempre teve diálogo. As pessoas fazem julgamentos e eu respeito. O que aconteceu é que no nosso primeiro ano de governo não tínhamos muito tempo para dialogar. Imagina pegar um Estado com R$ 1,2 bilhão de déficit orçamentário e com R$ 750 milhões de dívidas da Saúde. A gente começou a pensar o que fazer, o que cortar, qual seria a minha reforma administrativa. Por isso, o primeiro ano de governo foi de introspecção. Olhamos de cima para ver medidas que o governo poderia tomar, que obras priorizar, o que poderia fazer para enxugar a máquina. Foi um ano de organização. Cortamos 2.054 cargos comissionados, acabamos com as agências de desenvolvimento regional. Criamos um governo transparente, um governo digital. Hoje todo mundo enxerga tudo o que é documento, o que acontece no Estado, não existe mais contrato de gaveta, não existe mais licitação sem concorrência, o pregão eletrônico foi assumido. Economizamos aí mais de R$ 50 milhões. Nós mudamos o jeito de comprar combustível, de contratar telefonia, terceirizados e nós pagamos as nossas dívidas. Hoje eu tenho um pouquinho mais de tempo para ouvir as pessoas e é isso que a gente está priorizando. Eu ouço muito o governo. Sempre tomamos decisões colegiadas. Criamos um diálogo com o setor produtivo, com as federações empresariais. Isso ficou muito visível durante a pandemia.

Alguns governos estaduais anunciaram que não farão eventos de Réveillon e Carnaval se não houver vacina até o final deste ano. Santa Catarina vai seguir esse caminho?

A gente vai ter que ver o que acontece no futuro, como estaremos em setembro. Não sei se em setembro estaremos desmobilizando as UTIs ou se estaremos em falta. A corrida é no sentido do que acontece no dia a dia. Se em agosto, setembro, outubro ou novembro tivermos condição de normalidade, o que é muito difícil, podemos pensar num final de ano diferente. Agora, se a gente chegar lá enfrentando ou um platô, ou um declínio lento de casos do novo coronavírus, não sendo acentuado, a gente vai ter que manter as medidas de precaução no final de ano também, o que seria muito ruim porque temos o setor de turismo, especialmente hotéis, bares e restaurantes, que seria muito afetado. A gente quer muito sair da pandemia. Esse é um grande dilema. Como sair da pandemia? Imunizando rebanho. Como se imuniza rebanho? Vacinando. Mas não tem vacina. Esse é o nosso grande paradoxo, que precisamos enfrentar. E quem pode estar à frente desse processo? Aqueles que não são vulneráveis, que têm que continuar trabalhando, mantendo os serviços essenciais. A população terá que ser imunizada. E quem nós vamos proteger? Os idosos, os que têm comorbidades. A gente espera que o vírus saia de circulação e eles fiquem em casa. Eu não sou infectologista, mas a gente percebe que Santa Catarina não pode ter pandemia para os próximos cinco anos.

Nós precisamos, de forma muito responsável, ir manobrando essa situação. Falei com especialistas e eles informaram que uma vacina em larga escala só será possível em meados do ano que vem.

 

Fonte: NSC